quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Segredos de Lisboa. Inês Ribeiro e Raquel Policarpo. «A menos que optasse por entrar pela “pequena Porta da Traição”, tão famosa nos castelos portugueses e que ainda hoje se pode ver aberta na muralha da segunda praça»


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O castelo de São Jorge. Um gigante de vigia à cidade
«(…) Destacando-se dentro do castelo, o castelejo é hoje uma imponente visão. De origem islâmica, foi construído no século XI mas as sucessivas reconstruções cristãs não permitem hoje saber com exactidão a cronologia de cada torre, pano de muralha ou escada. Construído como último reduto de uma alcáçova invadida, acabou por nunca exercer a sua função original mas toda a sua construção faria dele um local muito difícil de conquistar. Quem tentasse conquistar o castelejo teria de começar por dar a volta ao edifício, já que a entrada actual e a ponte de acesso foram obra dos anos 30. Na verdade, o invasor teria de entrar pelo lado direito e, além de transpor o fosso e conseguir passar a ponte levadiça, teria ainda de conquistar a porta aberta na barbacã, uma primeira muralha equipada com seteiras que protegia o lado mais acessível do castelejo. Uma vez lá dentro, ainda era necessário conquistar mais uma porta para entrar no castelejo, e esta estava do outro lado da fortaleza, pelo que havia que dar novamente a volta ao edifício.
Chegando à entrada para o coração do castelejo entrava-se num pequeno pátio e ainda seria preciso transpor uma terceira porta para conseguir entrar numa das duas praças que compunham o castelejo. Todo este processo seria feito debaixo de uma chuva de setas, pedras e qualquer outro objecto à mão de quem defendia a praça do topo das torres e ao longo do adarve, o caminho que percorria as muralhas. A divisão do interior do castelejo em duas praças permitia um maior controlo, já que possibilitava uma melhor comunicação entre as várias torres e criava ainda mais uma dificuldade ao invasor, que teria de abrir mais uma porta para chegar à segunda praça. A menos que optasse por entrar pela pequena Porta da Traição, tão famosa nos castelos portugueses e que ainda hoje se pode ver aberta na muralha da segunda praça.
O castelejo seria protegido por 10 torres que assumiam especial importância no lado da entrada para proteger a barbacã, e que eram a principal defesa do lado Norte juntamente com o declive acentuado da colina. O acesso a um ponto de água era assegurado por uma torre couraça, que estava afastada do corpo principal do castelo mas ligada a ele através de uma muralha. Esta torre tem hoje o nome de Torre de São Lourenço, e acabou por ser integrada da Muralha Fernandina do século XIV. Quem se detém na ponte de pedra vê à sua frente a Torre de Ulisses, ou Torre do Tombo, onde hoje funciona a Camara Obscura, um periscópio que permite ver a cidade a 360 e ao perto. À sua esquerda está a Torre do Paço, assim chamada pois ainda esteve integrada no paço real, tal como o edifício que preenchia o espaço entre as duas. É por isso que, hoje em dia, um olhar mais atento percebe que as ameias que as ligam são na verdade parapeitos das janelas que ainda restam deste edifício, que também chegou a albergar o Arquivo Régio.
À direita da Torre de Ulisses encontra-se a Torre de Menagem, a mais importante dos castelos medievais por ali estar hasteada a bandeira do seu senhor. Ali foi instalado, em 1779, o primeiro observatório Astronómico de Lisboa com o patrocínio de dona Maria I e da Academia das Ciências de Lisboa. No seguimento da Torre de Menagem estava a Torre da Cisterna, no canto do castelejo, onde ainda é possível ver a água que ali se armazena. Em todo este conjunto é impossível ignorar a magnífica vista sobre a cidade. Quem hoje atravessa os caminhos de ronda ou se aventura nas escadas da torre de São Lourenço tem a oportunidade de olhar para baixo e imaginar a cidade medieval encavalitada na colina, rodeada dos verdes campos, que, entretanto, foram sendo reclamados pela cidade e os seus habitantes». In Inês Ribeiro e Raquel Policarpo, Segredos de Lisboa, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2015, ISBN 978-989-626-706-3.

Cortesia de EdosLivros/JDACT