sábado, 27 de agosto de 2016

Tópicos para a História da Civilização. Ideias no Gharb al-Ândalus. António B. Coelho. «O escrito foi lido em todos os púlpitos. Deus destrói nações por coisas como as que trouxe este grupo malvado, que adultera a tradição…»

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Filósofos Orientais
«(…) Ibn Masarra, Muhammad b. Abd Allah b. Masarra Al-Djabati (Córdova 883-Córdova 931). Seu pai Abd Allah ibn Masarra (+Meca 899) introduziu o mutazilismo na península e transmitiu ao filho os seus ensinamentos. Este, aos dezassete anos, retirou-se com os seus discípulos para a Serra de Córdova. Suspeito de heresia, partiu para o Oriente. Deteve-se em Meca e Medina. Regressou a Córdova durante o governo de Abderramão III e aí morreu rodeado de discípulos. Nenhum dos seus escritos chegou aos nossos dias. Para reconstituir a sua doutrina, temos de recorrer a Said al-Andalusi, a Ibn Hazm e a Ibn Al-Arabi, o seu mais conhecido herdeiro, por intermédio do movimento dos Muridines e do seu imã Ibn al-Kasi. Baseado nas indicações dos diferentes autores, Asin Palacios delineou as possíveis linhas do seu ensino e prática ascética. No seguimento do Pseudo-Empédocles, defendeu que o ser espiritual está sob a influência do princípio do amor puro enquanto o corpo, como todos os seres corporais, está submetido à acção da discórdia. A filosofia provoca na alma o desejo de partir deste mundo porque a alma não pertence cá abaixo, está prisioneira do corpo. O fim do homem é a purificação e a libertação da alma. Os caminhos para atingir esse fim são a pobreza voluntária, a mortificação, o silêncio e a prática da humildade, do perdão das ofensas, do amor dos inimigos. O exame quotidiano de consciência elevava a alma à estação mística da Sinceridade. Ibn Hayyan conservou-nos, num contexto condenatório, algumas informações sobre a doutrina de Ibn Masarra. A seita do suspeitoso Muhammad b. Abdallah b. Masarra, que aparentava piedade ocultando secretos desígnios e embustes de sedição, tinha-se propagado entre a gente no começo do reinado do califa an-Nasir (Abderramão III). Atraía-os graças ao ascetismo e piedade que aparentava, sendo mui rigoroso nos méritos do crente e negando a benevolência divina. Apartava-se das gentes e preferia afastar-se delas, aferrando-se na sua propriedade numa alqueria de Córdova… Com a sua doçura de expressão, solidez dialéctica, penetração exacta dos conceitos e variados conhecimentos arrebatava as mentes sem cuidar do caminho direito… Compôs livros excelentes, difundiu acertadas epístolas e elaborou artigos devastadores cuja intenção oculta cobriu com os véus do equívoco, difundindo o cumprimento das promessas e ameaças divinas e a falta de autoridade dos hadices sobre a intercessão, dando por inverosímil a benevolência e a misericórdia… Dispôs as Mudawwana maliquitas, pilar da Suna, por concomitâncias, dividindo-as, ao nosso querer, com a mais clara traça e criando secções extratadas excelentes, declaradas unanimemente, até pelos seus opositores, como melhores, mais resumidas e claras que qualquer outro compêndio da dita obra. Graças à solidez da sua extensa ciência e à sua paciência para confundir o adversário atraía e capturava os corações.
Os seguidores de Ibn Masarra foram condenados pelo califa Abderramão III que mandou ler uma proclamação em todos os pontos do Andaluz. Deus, exaltada seja a sua acção e glorificada a sua menção, fez do Islão a melhor religião, sustendo-a, enaltecendo-a e não aceitando nem querendo outra para seus servos, pois diz em sua excelente revelação: quem siga outra religião que não o Islão não se aceitará… Fostes a melhor nação que saiu da gente, pois ordenais o bom e condenais o reprovável. Ele vos estatuiu a religião que recomendara a Noé e que te temos inspirado e que recomendamos a Abraão, Moisés e Jesus: cumpri a religião e não discrepeis dela… Empenharam-se na sua ignorância, perderam-se no seu extravio e deram de cabeça no ódio da comunidade pia, professando aborrecê-la, declarando lícito o derramamento do seu sangue e justificável a violação de suas esposas e o cativeiro dos seus filhos: o ódio apareceu nas suas bocas, mas maior era o oculto em seus corações. O escrito foi lido em todos os púlpitos. Deus destrói nações por coisas como as que trouxe este grupo malvado, que adultera a tradição, ataca o grande Corão e os hadices do fiel Profeta. E Ibn Hayyan acrescenta. Al-Farabí, na sua obra sobre os sábios do Andaluz, diz dele que era grande conhecedor de história e das versões das obras e de variados conhecimentos: filósofo, sábio, médico, astrónomo, astrólogo, literato excelente, poeta, orador, cuja ciência era acompanhada pela habilidade dialéctica e domínio da gramática e o vocabulário do árabe… É sobejamente conhecido que a opinião de Ibn Masarra se separava de muitas crenças dos sunitas». In António Borges Coelho, Tópicos para a História da Civilização e das Ideias no Gharb al-Ândalus, Instituto Camões, Colecção Lazúli, 1999, IAG-Artes Gráficas, ISBN 972-566-205-9.

Cortesia de I.Camões/JDACT