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«Em
1480, Florença era um dos cinco centros de poder que dominavam Itália, então
retalhada em cidades Estado independentes. Situadas na região norte da
península soalheira em forma de bota, encontram-se Veneza e Milão. Veneza, uma
oligarquia no mar Adriático onde um doge era nomeado governador vitalício,
tinha como principal actividade o comércio marítimo, de especiarias, de escravos,
de metais preciosos e de sedas luxuosas; esta economia foi ameaçada pelo avanço
firme dos turcos otomanos que, em 1460, invadiram de modo significativo vários
territórios europeus em nome da jihad,
a sua guerra santa. A oeste de Veneza localiza se Milão, reduto dos duques Sforza.
A mudança de alianças e as quezílias familiares ensombraram a sucessão ducal.
As relações entre o ducado de Milão e o Leão do Adriático eram hostis, com cada
um dos governos a aspirar ao alargamento das suas fronteiras às custas do adversário.
Mais para sul, junto ao tornozelo da bota italiana, o rei Fernando governava
Nápoles. O seu filho mais velho, o príncipe Alfonso (também com o título de
duque de Calábria), era um soldado profissional com uma predisposição para usar
a sua superioridade militar napolitana em prol do domínio da casa da família (a
Casa de Aragão) sobre Itália.
A
norte de Nápoles ficavam os Estados Papais, presididos em Roma pelo papa Sisto
IV. Enquanto construía a Capela Sistina e aumentava a biblioteca do Vaticano,
Sisto IV mergulhou na política. Com uma grande quantidade de sobrinhos e imensamente
dedicado ao nepotismo, nomeou seis deles cardeais. Para o seu favorito,
Girolamo Riario, Sisto IV queria nada mais nada menos que uma suserania num dos
Estados papais, onde, na verdade, o papa governava apenas em nome. Embora
bajulassem a autoridade papal, as famílias locais governavam as cidades daquela
província desordenada. Localizada nas colinas verdejantes e ondulantes do vale
do Arno, Florença. construída numa antiga povoação romana, era uma república
cujos cidadãos se mantinham fiéis aos meandros de um governo democrático desde
finais do século XIII. Para eles não existiam reis, senhores ou duques. Para
evitar que o poder ficasse cativo de qualquer homem, o governo mudava com uma velocidade
estonteante, à medida que os membros dos comités devidamente eleitos eram
substituídos por novos homens que se qualificavam por meio de um sorteio.
Ironicamente, o que os florentinos ferozmente democráticos tinham criado fora
um governo que mudava tão frequentemente que os restantes grandes poderes de
Itália procuravam um homem ou uma família para enfrentar, por considerarem que
Florença era um alvo fácil.
A
concepção instável do governo florentino também enfraquecia a república na própria
cidade. Ao longo do tempo, uma classe política selecta constituída por várias
centenas de famílias chegou ao poder dentro das muralhas. Em meados do século XV,
estas famílias eram então governadas por cerca de quinhentos homens e audaciosamente
localizada no epicentro deste grupo encontrava-se a família Medici, que governava
do seu palácio na Via Larga; eram eles os líderes não oficiais, ou de facto, de Florença. Por que motivo se
viraram os líderes estrangeiros e os cidadãos de Florença para uma família para
representar a cidade? Porque lidar com uma família, um homem, uma facção, uma
voz, era o único recurso quando o governo mudava praticamente de dois em dois
meses. Durante cinquenta anos, houve apenas uma ocasião em que o poder dos
Medici foi verdadeiramente desafiado; isto aconteceu, conforme relatado no Mistério..., pela mão de uma família
rival em 1478, que rentou livrar Florença do seu líder, o brilhante humanista
renascentista, poeta e estadista não eleito,
Lorenzo de Medici, e os seus apoiantes, eleitos ou não.
Guid’Antonio
entrou na catedral de Florença no fim da manhã de Domingo de Páscoa, pestanejando
quando a porta da frente se fechou e o sol se perdeu na escuridão. Dentro do
santuário, atravessou a nave por entre as tochas sibilantes, afastando homens
da sua frente, numa irritação crescente». In Alana White, O Mistério das Lágrimas da
Virgem, 2012, Marcador Editora, 2013, ISBN 978-989-847-096-6.
Cortesia
de MarcadorE/JDACT