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Hampshire, 1830
«Ninguém
que olhava Daphne Wade imaginaria que ela pudesse ter algum prazer proibido,
secreto. Seu aspecto era normal, os óculos não ajudavam muito, tinha o cabelo
castanho claro e o usava preso na cabeça. Todos os seus vestidos eram de
diferentes tons de bege, marrom ou cinza. Sua altura era normal e sua figura
ficava escondida debaixo dos grandes e cómodos aventais que utilizava para
trabalhar. Tinha uma voz suave e agradável de escutar, sem sons estridentes que
chamassem a atenção. Ninguém que a julgasse só pela sua aparência poderia
imaginar que a senhorita Daphne Wade tinha o escandaloso costume de observar o
torso nu de seu patrão sempre que tinha a oportunidade, embora a maioria das
mulheres estivesse de acordo que Anthony Courtland, duque de Tremore, tinha um
torso que valia a pena observar. Daphne apoiou os cotovelos no peitoral da
janela e levantou a luneta de bronze. Utilizar esse aparelho com lentes era
difícil, assim que o deixou na prateleira. Voltou a colocar os óculos e a
distância, olhou toda a escavação, procurando Anthony entre os trabalhadores. Sempre
que pensava nele pensava usando seu nome. Quando falava com ele, o chamava de
senhor, como todo mundo, mas em sua cabeça e em seu coração, ele sempre era
Anthony. Ele estava falando com o senhor Bennington, o arquitecto da escavação
e com sir Edward Fitzhugh, o vizinho mais próximo do duque e antiquário amador
como ele. Os três homens estavam no meio de uns campos da escavação, rodeados
de muros, colunas quebradas e restos do que havia sido uma vila romana. Nesse
momento, discutiam sobre o mosaico que estava debaixo dos seus pés e que havia
sido descoberto pelos trabalhadores nessa mesma manhã. Quando Daphne localizou
a forte figura de Anthony, sentiu uma familiar tristeza no seu coração, uma mescla
viciante de prazer e incómodo. Era uma combinação que quando estava em sua
presença a calava e lhe fazia querer-se misturar com seu ambiente, passar
despercebida; em troca quando o contemplava como agora, desejava se transformar
no centro de toda sua atenção. O amor pensava, deveria ser algo agradável,
cálido, doce, não algo que prejudicasse o coração com sua intensidade. Daphne
sentia essa intensidade agora, enquanto o observava. Quando estava em Tremore
Hall, ele passava sempre dois ou três horas ao dia trabalhando junto com o
senhor Bennington e o resto dos homens na escavação. Algumas vezes ela não estava
nas ruínas e às tardes de Agosto eram excepcionalmente quentes, e Anthony
sempre tirava a camisa. O dia era muito caloroso. Para Daphne, ele quase
formava parte da escavação romana que o rodeava. Era como uma escultura. Com
sua pouco frequente altura de mais de um metro e oitenta e seus grandes ombros
e desenvolvidos músculos, apesar de seu cabelo escuro e sua pele bronzeada
parecia um deus romano esculpido em mármore. Ela o observava enquanto os três
homens continuavam discutindo sobre o mosaico e teve a estranha sensação que
experimentava cada vez que o via e que fazia lhe custar a respirar e que seu
coração se acelerava como se estivesse estado correndo. Sir Edward tratou de
mover uma urna que cobria parte do mosaico, mas Anthony o impediu e ele mesmo a
levantou. Daphne se encantava com esse cavalheirismo, que só reafirmava a boa
opinião que já tinha dele. Talvez fosse duque, mas não permitia que um homem
como sir Edward, muito mais velho que ele pudesse se magoar. Anthony levou a
urna para o carro que estava próximo e a colocou junto a uma serie de ânforas
de vinhos quebradas, estátuas de bronze, fragmentos de afrescos e outras
descobertas. No final do dia moveriam as peças a um edifício próximo, onde se
armazenavam todos os objectos e esperando que Daphne pudesse restaurá-los,
desenhá-los e catalogá-los para a colecção de Anthony. O ruído de passos se
aproximando da biblioteca a distraiu de suas clandestinas observações. Dobrou o
telescópio e saindo da janela o guardou no bolsinho de seu avental. Quando Ella
uma de muitas moças que trabalham em Tremore entrou na sala, Daphne estava
sentada em seu escritório, com um livro de cerâmica romano-inglesa, fingindo
que trabalhava. Eu pensei que poderia querer um pouco de chá, menina Wade,
disse Ella enquanto deixava uma xícara e o bule na grande mesa de Daphne, ao
lado das montanhas de livros de antiguidade romanas e latinas. Obrigada, Ella,
replicou, tratando de fingir muita concentração. A moça se virou para ir
embora. Pensava que não podia trabalhar sem óculos, menina, disse sobre seu
ombro. Não acredito que sejam de muita utilidade ali na prateleira da janela. A
moça desapareceu no corredor e Daphne escondeu seu rosto vermelho entre as
páginas do livro. Eu me tornei uma observadora. Ainda assim, quem poderia
culpar uma moça tímida, discreta e simples que passava a maior parte de seu
tempo enterrada entre madeiras velha e livros de latim, por estar apaixonada
por seu patrão quando ele é tão atraente? Daphne se espreguiçou em sua cadeira
com um suspiro e continuou, com a mão apoiada em baixo do queixo, contemplava o
vazio; sonhava com coisas que sabia que nunca se tornariam realidade. Ele era
um duque, pensava Daphne e ela trabalhava para ele. Tinha contrato fazia cinco
meses e lhe pagava o generoso salário de quarenta e oito libras ao ano para ela
restaurar afrescos, mosaicos e antiguidades e por confeccionar um catálogo para
o museu que ele estava construindo em Londres. Era um trabalho exigente, com um
patrão exigente, mas estava feliz. Fazia tudo o que lhe pedia, não só porque
era seu trabalho, mas também porque estava apaixonada por ele e amá-lo era para
ela um prazer secreto e oculto». In Laura Lee Guhrke, Prazeres Proibidos, 2004,
Livros d’Hoje, colecção Vox Pop, 2009, ISBN 978-972-203-818-8.
Cortesia de Ld’Hje/JDACT