segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Os Banqueiros de Deus. Gerald Posner. «Os vaticanologistas começaram a debater a sua saúde. Ricardo Galeazzi-Lisi, um oftalmologista, era o médico principal de Pio desde 1939. Fora o médico a quem Pio confiara o exame dos ossos de São Pedro»



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Não é papa nenhum
«(…) Apesar da idade avançada e da promessa de reduzir a sua carga laboral, Nogara continuava a ser administrador ou director administrativo numa dúzia das maiores empresas italianas. E, quando foi desafiado no interior da Cúria por outros homens de poder, demonstrou saber proteger o seu terreno. Em 1953, chocou com monsenhor Giovanni Battista Montini, que Pio nomeara pouco antes co-secretário de Estado. Tinham-se enfrentado mutuamente desde a guerra. Montini defendera que Pio levasse o Banco do Vaticano, a única fonte acessível de moeda estrangeira, a auxiliar o seu programa de refugiados. Bernardino não apreciava o papel passivo desempenhado pelo IOR nos programas que não controlava por completo. Décadas depois, o que fora uma inimizade contida tornara-se algo declarado. Montini queixava-se a colegas de que tinha sido um erro permitir que um leigo, mesmo que fosse um leigo talentoso, alcançasse tanto poder. E perguntava porque Nogara não se concentrava exclusivamente no IOR e na sua Administração Especial em vez de se intrometer na Cúria. O monsenhor afirmou também que o estatuto crescente dos sobrinhos de Pio sob patrocínio de Nogara, tresandava a nepotismo. Nogara e outros, sobretudo a irmã Pascalina, que não apreciavam Montini, justificaram-se directamente a Pio. Num consistório de 1953, o papa nomeou vinte e um novos cardeais. Montini estava em todas as listas. Mas Pio chocou os vaticanologistas não lhe atribuindo o chapéu vermelho.
E, no ano seguinte, o papa sanou o diferendo galopante entre Montini e Nogara nomeando o primeiro arcebispo e enviando-o para gerir Milão. Porque Milão era a maior arquidiocese italiana, era tradicionalmente administrada por um cardeal. A mensagem era clara. O papa de setenta e oito anos assegurara que Montini não poderia ser o seu sucessor. Em 1954, o mesmo ano em que Montini foi enviado para Milão, Nogara escolheu Henri de Maillardoz como Delegato do IOR. Era a posição que Nogara detivera sozinho desde a fundação do banco em 1942. Maillardoz, que tinha no seu currículo privado a gestão do portefólio industrial do Credit Suisse, sentia-se confortável no seu novo papel. Bernardino permaneceu no Vaticano durante a transição. Foram precisos dois anos, até 1956, para que Nogara sentisse que a sua equipa escolhida a dedo estava pronta para seguir em frente. Aposentou-se aos oitenta e seis anos, mas recordou aos seus colegas que vivia numa casa próxima pertencente ao Vaticano e teria todo o gosto em aconselhá-los. Durante os vinte e sete anos do seu mandato, Nogara revolucionou o mundo das finanças do Vaticano. Com o apoio total de dois papas, derrotara com sucesso os tradicionalistas fervorosos da Cúria e transformou a Igreja de uma instituição financeira primitiva numa holding internacional capaz e com um banco central próprio. Quando se afastou, as discussões intensas sobre a possibilidade de a Bíblia permitir ou não que a Igreja desempenhasse qualquer papel na especulação financeira pareciam arcaicas. A Administração Especial de Nogara era tão capitalista como qualquer banco de investimento de Wall Street. Nos onze anos desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a sua concentração na indústria italiana durante o pós-guerra revelou ser um investimento inspirado. A SNIA Viscosa tornou-se a mais lucrativa empresa têxtil do país. A SGI tornou-se um conglomerado internacional com projectos de construção gigantescos em cinco continentes.
Sem referir as participações em dúzias de empresas relacionadas. A Montecatini triplicou de tamanho e expandiu-se para a energia eléctrica e para o sector farmacêutico. A Italgas passara de uma pequena empresa de serviços regional ao maior fornecedor italiano de gás natural. Nogara zelou também pelos seus dois filhos, Paolo e Giovanni. Paolo era administrador de duas empresas propriedade do Vaticano, a empresa mineira Montefluoro e, mais tarde, a Ceramica Pozzi, uma fábrica de cerâmica. Giovanni geria uma empresa metalúrgica controlada pelo IOR, a Pertusola, sendo igualmente director do conglomerado de transportes Tarvisio. Tal como o seu pai, Giovanni era engenheiro e funcionava também como director-geral da empresa mineira Predil, na qual o IOR tinha também investido. Aos oitenta anos, o próprio Pio mostrava-se frágil aquando do afastamento de Nogara. Nunca fora robusto e, por vezes era difícil perceber ao certo se o pontífice estava tão doente como parecia. Uma infecção gastrointestinal grave (com vómitos e náusea constantes, como recorda a irmã Pascalina) durante o período natalício de 1945 deixara-o debilitado. Os vaticanologistas começaram a debater a sua saúde. Ricardo Galeazzi-Lisi, um oftalmologista, era o médico principal de Pio desde 1939. Fora o médico a quem Pio confiara o exame dos ossos de São Pedro, em 1942. Além de Pascalina, muitos dos que lhe eram próximos se mostravam apreensivos com Galeazzi-Lisi e com os tónicos e remédios herbais que fabricava. O seu tratamento falhado dos problemas de Pio com as gengivas usando ácido crómico (usado no tratamento de curtumes) provocou complicações no esófago que atormentavam o papa com soluços crónicos (ninguém dentro do Vaticano sabia que Galeazzi-Lisi era uma fonte de informação secreta acerca da saúde papal e, por vezes, de rumores acerca da Igreja, junto de jornais e revistas. Muitos faziam-lhe pagamentos pela sua colaboração. Paul Hoffman, então um repórter novato da secção romana do The New York Times, entregava num envelope o pagamento do doutor no seu consultório em Roma. Ao telefone, apresentava-se sempre como Dick..., porque os telefones do Vaticano estavam sob escuta da polícia papal, escreveu mais tarde Hoffman. O Times desconhecia então que recebia envelopes idênticos de outros clientes). E tinha sido Galeazzi-Lisi, juntamente com Pascalina, a recomendar Paul Niehans, um médico suíço que aplicava injecções terapêuticas de células vivas consistindo em fetos retalhados retirados a ovelhas acabadas de abater. Eram muitos os que, no Vaticano, não gostavam que Niehans fosse um pastor protestante ordenado e os tradicionalistas opunham-se à sua utilização de fetos animais no seu tónico injetável. Mas Pio simpatizava com ele e ignorava os relatos de que alguns dos seus pacientes sofriam crises de espasmos depois das injecções. O papa chegou mesmo a nomeá-lo para a prestigiosa Academia Pontifícia de Ciências. Durante uma indisposição particularmente grave, Pio perguntou-lhe: diga-me a verdade; acredita realmente que recuperarei por completo e conseguirei cumprir na totalidade os meus deveres? Se não acreditar, não hesitarei em resignar. Niehans assegurou que Pio melhoraria. Foi só em 1955, depois de o papa quase perder a vida na sequência de uma infecção, que dois médicos italianos conseguiram reunir provas suficientes para desafiar as teorias e os resultados de Niehans, convencendo Pio a proibi-lo de voltar a entrar no Vaticano. Com o agravar da sua saúde, acabou por mudar de ideias e, em 1958, Niehans tinha regressado aos aposentos privados do papa». In Gerald Posner, Os Banqueiros de Deus, 2015, Editora Self-Desenvolvimento Pessoal, 2015, ISBN 978-989-878-155-0.

Cortesia de Self/JDACT