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de wikipedia e jdact
A
Narrativa de Troilo, Diomedes e Briseide. A Matéria Antiga e a Sociedade
Cavaleiresca
«(…)
Ora, a partir da análise da narrativa protagonizada por Troilo, Diomedes e pela
filha de Calcas, podemos constatar como nela se expressa uma visão medieval dos
tempos troianos. Esta estabelece-se, não só pela presença dos temas relacionados
com o amor cortês e com as características e comportamentos das personagens,
como pela introdução do maravilhoso, das referências religiosas ou, ainda, pela
forma como surgem descritas as batalhas e justas entre os dois protagonistas
masculinos. Neste sentido, a cada passo, deparamos com o anacronismo da
representação histórica da Antiguidade. Historiadores da literatura medieval
como Jean Frappier, Reynaud de Lage, Erich Köhler ou Carlos Garcia Gual,
assinalaram como tal anacronismo não se pode explicar unicamente em função de
uma pretensa ingenuidade dos autores dos romances de temática clássica. Se
Etienne Gilson caracterizou o pensamento medieval como absorvido pela
intensidade do presente, originando que da Antiguidade, os autores do século
XII apenas tivessem retido o eterno actual, os clérigos que elaboraram os
primeiros romans, tiveram acesso, ainda que parcial, às obras dos autores
clássicos, então considerados como autoridades, o que, em última análise,
justifica que não pudessem entender o passado como uma mera recriação do
presente. É certo, porém, que, perante tais fontes, não desenvolveram um
espírito crítico, enquanto, por outro lado, apenas conheceram as obras dos
autores clássicos, muitas vezes, a partir de fontes tardias, mas tal não
explica na sua totalidade a visão medieval que expressam nas narrativas de
temática antiga.
Segundo
Carlos Garcia Gual, ao descreverem um mundo onde a cavalaria tinha uma função
permanente, os autores medievais reflectiam os anseios do público cavaleiresco
que constituía o seu auditório. Assim, eternizando num espelho ideal a sua
situação e o seu papel histórico, propunham exemplos mais compreensivos e
imediatos para os leitores/ouvintes, e se não manifestam um melhor conhecimento
dos costumes antigos, tal não se deveu tanto à ignorância dos clérigos como,
segundo o mesmo autor, pela falta de interesse por este aspecto. A estas
circunstâncias podemos ainda acrescentar a introdução nos romances dos motivos
que caracterizavam o gosto literário da época, como é o caso das temáticas
relacionadas com o amor cortês, assim, como a influência das técnicas
narrativas, então, utilizadas.
Ora,
se na versão galega da Crónica Troiana, ainda se encontram muitos elementos que
caracterizam, quer as epopeias antigas, quer as medievais, não deixa de se
encontrar presente uma aproximação aos ideais e anseios do mundo cavaleiresco.
Neste sentido, Erich Köhler defende que ao fazer remontar à Antiguidade, não só
a origem da sociedade cavaleiresca como a união entre os princípios que
idealmente a regiam e a clergie, os autores dos romances do Ciclo Clássico
justificavam ideologicamente as ambições e o protagonismo que para si advogava
a cavalaria na sociedade da época. Para Erich Köhler, contribuíram, assim, de manière
décisive à l’élaboration d’une conscience nouvelle, autonome, à la fois
individuelle et social, revelando a matéria antiga à cavalaria une dimension
historique qu’elle ignorait totalement…, en transformant le style des héros
antiques pratiquement sur ce que Chrétien formula dans son programme: la double
vocation historique de la chevalerie en tant qu’agent dune civilisation
universelle et garant de l’ordre. On peut appliquer au roman courtois ce que
Gilson a dit de la conscience historique du Moyen Age en général (…) il (le
Moyen Age) a accepté et revendiqué comme une honneur le rôle de transmetteur
d’une civilisation qui lui était dévolu. Em suma, l’ère chevaleresque apparaît
désormais comme l’époque qui a absorbé les époques antérieures et qui les
couronne en donnant un sens et un but de succession. En référent au chevalier
le couple chevalerie-clergie, dont il sera désormais l’incarnation, la
littérature courtoise confère à son existence qui réunit ces deux qualités
suprêmes une valeur insurpassable proclament la finalité de l’histoire humaine.
Assim,
se na sequência da caracterização de Etienne Gilson da noção de tempo medieval
como absorvida pelo presente, Aron Gurevitch e Jacques Le Goff explicaram o
anacronismo da representação do passado nos autores medievais, referenciando,
ora a sua consciência histórica como anti-histórica, ora assinalando o seu
lento desenvolvimento, teremos de ter em conta que, ao surgir nos romances
antigos uma caracterização das personagens segundo o modelo feudal,
associando-as aos comportamentos e funções ideais da sociedade cortesã, eles
acabam por transmitir uma função ideológica que, em última análise, corresponde
aos anseios do público a quem eram dirigidos e que os patrocinaram, ao mesmo
tempo que justificavam as funções sociais reivindicadas pela sociedade
cavaleiresca.
No
que respeita à representação medieval dos tempos troianos na versão galega da
Crónica Troiana, ela só pode ser entendida quando contextualizada na obra que a
originou, ou seja, o Roman de Troie, uma das obras que formou a Matéria Antiga.
Apresentando este, pelas razões atrás expostas, uma visão medieval da
Antiguidade, a sua versão prosificada em galego que foi objecto do nosso
estudo, também a transmite, obedecendo, assim, ao gosto do público medieval
pelos temas que a obra de Benoit de Saint-Maur expõe na sua recriação do
passado». In Pedro Chambel, A representação medieval dos tempos troianos na
versão galega da Crónica Troiana de Afonso XI, Instituto de Estudos Medievais,
IEM, Ano 4, Nº 5, 2008, ISSN 1646-740X.
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