sábado, 9 de dezembro de 2023

A Mão de Fátima. Ildefonso Falcones. «Durante a missa, alguns rezavam. As crianças, atentas ao sacristão, o faziam em voz alta, quase aos gritos, tal como lhes haviam ensinado seus pais, porque assim eles podiam burlar a presença do beneficiado, com suas idas e vindas, para clamar às escondidas: Allahu Akbar…»

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«Marcos Núñez. Presente. Você faltou à missa do domingo passado – afirmou o sacristão. Estive... O homem tentou explicar-se, mas não lhe saíam as palavras. Terminou a frase em árabe enquanto esgrimia um documento. Aproxime-se, ordenou-lhe Andrés. Marcos Núñez passou entre os presentes até chegar perto do altar. Estive em Ugíjar, conseguiu desculpar-se desta vez, enquanto entregava o documento ao sacristão. Andrés o folheou e o passou ao padre, que o leu atentamente até verificar a assinatura e anuir com um esgar: o abade-mor da colegiada de Ugíjar certificava que em 5 de Dezembro do ano de 1568 o cristão-novo chamado Marcos Núñez, morador de Juviles, havia assistido à missa maior oficiada naquela povoação.

O sacristão esboçou um sorriso quase imperceptível e escreveu algo no livro antes de prosseguir com a interminável lista de cristãos-novos, os muçulmanos obrigados pelo rei a baptizar-se e abraçar o cristianismo, cuja assistência aos santos ofícios tinha de verificar cada domingo e dias de preceito. Alguns dos interpelados não responderam, e sua ausência foi cuidadosamente registada. Duas mulheres, ao contrário de Marcos Núñez com seu certificado de Ugíjar, não puderam justificar por que não haviam comparecido à missa celebrada no domingo anterior. Ambas tentaram desculpar-se atropeladamente. Andrés as deixou explanar e desviou o olhar para o padre. A primeira retrocedeu de sua tentativa assim que o padre Martín lhe instou que se calasse com um autoritário gesto de mão; a segunda, no entanto, continuou argumentando que naquele domingo havia estado doente. Perguntem a meu esposo!, gritou enquanto procurava o marido com olhar nervoso nas filas posteriores. Ele lhes... Silêncio, aduladora do diabo!

O grito do padre Martín emudeceu a mourisca, que optou por baixar a cabeça. O sacristão anotou seu nome: ambas as mulheres pagariam uma multa de meio real. Após um longo tempo de averiguação, o padre Martín deu início à missa, não sem antes indicar ao sacristão que obrigasse o penitente a elevar mais as mãos que seguravam os círios.

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo... A cerimónia continuou, ainda que fossem poucos os que entendiam as leituras sagradas ou podiam acompanhar o ritmo frenético e os constantes gritos com que o sacerdote os repreendeu durante a homilia. Porventura acreditam que a água de uma fonte os curará de alguma doença? O padre Martín apontou para o homem ajoelhado; seu dedo indicador tremia, e suas feições se mostravam crispadas. É a penitência de vocês. Só Cristo pode livrá-los das misérias e privações com que castiga sua vida dissoluta, suas blasfémias e sua sacrílega atitude!

Mas a maioria deles não falava castelhano; alguns se entendiam com os espanhóis em aljamiado, um dialecto mesclado de árabe e romance. No entanto, todos tinham a obrigação de saber o Padre-Nosso, a Ave-Maria, o Credo, a Salve-Rainha e os mandamentos em castelhano. As crianças mouriscas, graças às lições que recebiam do sacristão; os homens e as mulheres, pelas sessões de doutrina que lhes eram ministradas às sextas-feiras e aos sábados, e às quais tinham de comparecer sob pena de ser multados e não poder contrair matrimónio. Só quando demonstravam saber de cor as orações é que os eximiam de ir à aula.

Durante a missa, alguns rezavam. As crianças, atentas ao sacristão, o faziam em voz alta, quase aos gritos, tal como lhes haviam ensinado seus pais, porque assim eles podiam burlar a presença do beneficiado, com suas idas e vindas, para clamar às escondidas: Allahu Akbar. Muitos o sussurravam de olhos fechados, suspirando. Oh, Clemente! Liberte-me de minhas tachas, de meus vícios... ouvia-se entre as fileiras de homens assim que o beneficiado Salvador se afastava um pouco.

A verdade é que não se afastava demais, como se temesse que o desafiassem invocando o Deus dos muçulmanos no templo cristão, durante a missa maior. Ó Soberano! Guie-me com seu poder... clamou um jovem mourisco várias fileiras adiante, no meio do bulício do Padre-Nosso gritado pelas crianças. O beneficiado Salvador se virou arrebatado. Ó Dador de paz, ponha-me em sua glória..., aproveitou para implorar outro, do lado oposto. O beneficiado ficou vermelho de raiva». In Ildefonso Falcones, A Mão de Fátima, 2010, Bertrand Editorial, Grandes Romances, 2010, ISBN 978-972-252-226-7.

Cortesia de Bertrand E/JDACT

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