quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Os Pilares da Terra. Ken Follett. «Localizou-o imediatamente, sentado num banco um pouco afastado da multidão, comendo uma tigela de ensopado com uma colher e mantendo o xale na frente do rosto para esconder a boca»

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«Uma mulher com os lábios pintados de vermelho desnudou os seios para ele, que sacudiu a cabeça e apressou o passo. Secretamente sentia-se atraído pela ideia de ir para a cama com uma estranha, à luz do dia e pagando, mas em toda a vida nunca experimentara isso.

Pensou mais uma vez em Ellen, a fora-da-lei. Havia alguma coisa intrigante nela também. Era muitíssima atraente, mas aqueles olhos fundos e intensos intimidavam.

Um convite feito por uma prostituta fez com que Tom se sentisse irritado por um momento, mas o encanto gerado pela lembrança de Ellen ainda não se dissolvera, e de repente ele teve ímpetos de correr de volta para a floresta e cair sobre ela.

Chegou no adro da catedral sem ver o ladrão. Levantou os olhos para os encanadores, que prendiam o chumbo na estrutura triangular das vigas do telhado sobre a nave.

Ainda não tinham começado a cobrir o telhado de meia-água das naves laterais da igreja, de modo que ainda era possível ver os meios arcos de apoio que conectavam a parte externa com a nave principal, escorando a metade de cima da construção. Ele os apontou para Alfred. Sem aqueles suportes, a parede da nave cederia e vergaria para fora, por causa do peso das abóbadas de pedra na parte de dentro, explicou. Está vendo como os meios arcos se alinham com os contrafortes na parede da nave? Alinham-se também com os pilares da arcada da nave, no lado de dentro. E as janelas, com os arcos da arcada. Linhas fortes com linhas fortes, linhas fracas com linhas fracas. Alfred deu a impressão de estar se sentindo frustrado e ressentido. Tom suspirou.

Viu Agnes vindo do lado oposto, e sua mente retornou ao problema imediato. O capuz de Agnes ocultava-lhe o rosto, mas ele reconheceu o queixo lançado para a frente, seu andar seguro. Operários de ombros largos afastavam-se para que passasse. Se ela esbarrasse no ladrão e houvesse uma briga, pensou ele, seria bem equilibrada.

Você o viu?, quis saber ela. Não. E obviamente você tampouco. Tom esperava que o ladrão não tivesse deixado a cidade. Certamente não iria sem antes gastar um pouco de dinheiro, que não tinha utilidade na floresta. Agnes estava pensando a mesma coisa. Ele está aqui, em algum lugar. Vamos continuar procurando. Vamos voltar por ruas diferentes e nos encontrar no mercado.

Tom e Alfred refizeram seu caminho atravessando o adro e saíram pelo portão. A chuva encharcava-lhes o manto e por um segundo Tom pensou numa jarra de cerveja e numa tigela de caldo de carne, junto à lareira de uma cervejaria. Depois pensou em como trabalhara duro para comprar o porco, viu de novo o homem sem lábios brandindo o porrete na cabeça inocente de Martha, e sua cólera o aqueceu.

Era difícil procurar sistematicamente porque não havia ordem nas ruas. Elas ziguezagueavam, de acordo com o lugar onde as pessoas tinham construído suas casas, e havia muitas curvas acentuadas e becos sem saída. A única rua recta era a que levava do portão leste à ponte levadiça. Na sua primeira pesquisa, Tom ficara próximo das rampas do castelo. Dessa vez ele examinou as cercanias indo até a muralha da cidade e retornando ao interior. Ali estavam as casas mais pobres, as construções mais mal executadas e as prostitutas mais velhas. As cercanias da cidade ficavam num nível mais baixo que o centro, e assim o lixo da região mais rica descia com a água da chuva pelas ruas até se alojar na base da muralha. Algo similar parecia acontecer com as pessoas, pois aquele distrito tinha mais do que a cota justa de aleijados e mendigos, crianças famintas e mulheres machucadas, assim como de bêbados irremediáveis. Entretanto, não se via o homem sem lábios em parte alguma.

Por duas vezes Tom localizou um homem com o mesmo porte e aparência e aproximou-se dele, só para ver que tinha o rosto normal. Terminou a busca no mercado, e ali estava Agnes esperando por ele impacientemente, o corpo tenso e os olhos faiscantes. Eu o achei!, disse entre os dentes. Tom sentiu uma onda de excitação misturada com receio. Onde? Entrou numa locanda ali, perto do portão leste. Leve-me lá.

Eles rodearam o castelo até a ponte levadiça, desceram a rua recta até ao portão leste, depois se meteram num labirinto de vielas ao pé da muralha. Tom viu a locanda um momento depois. Não era sequer uma casa, apenas um telheiro inclinado sobre quatro pilares, encostado à muralha, com um fogo alto na parte de trás, onde um carneiro girava num espeto e um caldeirão borbulhava. Era quase meio-dia e o lugar estava cheio de gente, na maioria homens. O cheiro da carne fez o estômago de Tom roncar. Ele esquadrinhou a pequena multidão com os olhos, com medo de que o proscrito tivesse ido embora durante o curto período de tempo que haviam gasto para chegar ali. Localizou-o imediatamente, sentado num banco um pouco afastado da multidão, comendo uma tigela de ensopado com uma colher e mantendo o xale na frente do rosto para esconder a boca». In Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989, Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5

Cortesia de EPresença/JDACT

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