sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Os Arquivos Secretos do Vaticano. Sérgio P. Couto. «… o título foi mudado para Sala de torturas. Lembremo-nos de que foram as descrições caricaturais de Diderot, Voltaire e até de Dostoiévski que formaram na mente do homem de hoje a visão da Inquisição como um espectro»

Cortesia de wikipedia e jdact

Outra Visão da Inquisição (maldita)

«Analisando os factos, é difícil pensar que alguém se atreveria a defender a (maldita) Inquisição. Mesmo assim, o professor de filosofia Roman Konik, ligado à Faculdade de Filosofia da Universidade de Wroclaw, na Polônia, e autor do livro Em Defesa da Santa Inquisição arrisca essa posição. Seu livro despertou muito interesse, mas sofreu boicotes de livrarias, por causa da má fama que a (maldita) Inquisição tem até hoje.

Em entrevista concedida à revista eletrónica Catolicismo ele comentou sobre a obra de Umberto Eco: Na mente do homem de hoje, há uma ideia comum que considera o inquisidor como um velho monge encapuzado com inclinações sádicas, inflamado do desejo de autoridade. O melhor exemplo disso é a figura de Bernard Gui, inquisidor de Toledo, descrito pelo conhecido medievalista italiano Umberto Eco em seu livro O Nome da Rosa. Pior ainda é a imagem apresentada no filme realizado com base em tal obra.

Bernard Gui, como figura histórica real, foi inquisidor de Toledo e durante 16 anos exerceu esse cargo. Julgou 913 pessoas, das quais apenas 42 ele entregou ao tribunal civil como perigosos rebeldes (reincidentes, pedófilos, criminosos), o que não significava absolutamente pena de morte para eles. Em muitos casos, Gui indicava tratar-se de doença psíquica, suspeição de heresia, desistindo de interrogatórios.

Segundo a visão preconceituosa dos protestantes, é certo que essas pessoas iriam para a fogueira, ao contrário da verdade histórica. E importante registar que escritores protestantes, pouco simpáticos à Inquisição, começaram a escrever a história dela de maneira desfavorável, apresentando-a deformada. Também nas expressões artísticas das épocas posteriores à medieval verificou-se um reflexo dessa visão caricatural. Mas basta analisar o mundo artístico medieval para observar quadros que apresentam São Domingos convertendo os hereges, São Bernardo de Claraval discutindo com eles, ou então pinturas de inquisidores mártires morrendo nas mãos de hereges, por exemplo, o martírio de São Pedro de Verona, ou de São Pedro de Arbués, assassinado na catedral de Zaragoza.

Exemplo de ódio radical contra a Igreja e da manipulação a que me referi é um quadro no Museu Nacional de Budapeste, apresentando uma sala de torturas, intitulado no catálogo Inquisição. Só depois de muitos protestos de historiadores, mostrando que o quadro apresentava cena de tortura em um tribunal civil, é que o título foi mudado para Sala de torturas. Lembremo-nos de que foram as descrições caricaturais de Diderot, Voltaire e até de Dostoiévski que formaram na mente do homem de hoje a visão da Inquisição como um espectro.

Os historiadores poloneses também não ficaram atrás dos historiadores progressistas. Deparando diariamente com essa visão distorcida da Inquisição, o homem comum é inclinado a aceitá-la como verdadeira (????). Talvez a opinião do investigador seja a verdade. Afinal, há um grande número de pesquisadores que insistem em afirmar que os inquisidores eram homens esclarecidos e que tratavam os hereges como portadores de doenças mentais. O suspeito de heresia, segundo os registos históricos, era tratado assim: o suspeito não recebia os sacramentos necessários e estabelecidos pelo catolicismo. Caso ele não se arrependesse de sua conduta, seria chamada a autoridade não religiosa, principalmente em casos de agressão verbal ou física.

Se nem mesmo assim a pessoa se mostrasse arrependida, era considerada como anátema, ou seja, reconhecida como passível de excomunhão. Alguns autores vão mais longe e afirmam que o uso da tortura em processos inquisidores era um facto bastante restrito, embora não se saiba mais detalhes do quanto poderia ser restrito. Ainda de acordo com essas pesquisas, a tortura era autorizada em casos em que não houvesse provas confiáveis, testemunhas fidedignas ou quando o acusado já tivesse antecedentes como má fama, maus costumes ou tentativas de fuga. Assim, o Concilio de Viena indicou que os inquisidores recorressem à tortura apenas em caso de aprovação pelo bispo diocesano e por uma comissão julgadora que deveria analisar cada caso». In Sérgio P. Couto, Os Arquivos Secretos do Vaticano, da Inquisiçãoà renúncia de Bento XVI, Editora Gutenberg, 2013, ISBN 978-856-538-385-1.

Cortesia de EGutenberg/JDACT

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