«A cidade era barulhenta, também. A chuva pouco fazia para amortecer o clamor das oficinas de artesãos, dos vendedores ambulantes apregoando suas mercadorias, das pessoas se cumprimentando, barganhando e discutindo, de animais relinchando, latindo e brigando. Que fedor é esse? - perguntou Martha, erguendo a voz acima do barulho. Tom sorriu. Fazia uns dois anos que ela não entrava numa cidade. É o cheiro de gente, respondeu. A rua era apenas um pouco mais larga do que o carro de boi, mas o carroceiro não quis deixar que os animais parassem, com medo de que não voltassem a andar novamente; assim, continuou batendo neles, ignorando todos os obstáculos, e os bois prosseguiram forçando o caminho por entre a multidão, empurrando para o lado, indiscriminadamente, tanto um cavaleiro montado num cavalo de batalha quanto um morador da floresta com um arco, um monge gordo num pónei, homens de armas, mendigos, donas de casa ou prostitutas.
O
carro de boi veio a ficar atrás de um velho pastor que lutava para manter reunido
um pequeno rebanho. Devia ser dia de mercado, pensou Tom. Quando o carro
passou, uma das ovelhas entrou pela porta aberta de uma venda de cerveja, e num
segundo todo o rebanho estava dentro da casa, em pânico, balindo e derrubando
mesas, bancos e jarras de cerveja. O chão que pisavam era um mar de lama e de
lixo. Tom tinha a capacidade de observar, num relance, a queda da água da chuva
num telhado, e a largura da calha necessária para fazer o escoamento; podia ver
que toda a chuva que caía sobre os telhados daquela parte da cidade era drenada
pela rua onde estavam. Num temporal forte mesmo, pensou, seria preciso um barco
para atravessá-la.
À medida que se aproximavam do castelo
na parte mais alta da colina, a rua se alargava. Ali havia casas de pedra, uma
ou duas precisando de alguns reparos. Pertenciam a artesãos e comerciantes, que
tinham suas lojas e oficinas no térreo e moravam no andar de cima. Examinando
com o olhar de quem tinha prática aquilo que estava à venda, Tom podia afirmar
que aquela era uma cidade próspera. Todos precisam de ter facas e panelas, mas
só gente próspera compra xailes bordados, cintos decorados e broches de prata. Em
frente ao castelo o carroceiro fez a parelha de bois virar à direita, e Tom e
sua família o seguiram. A rua fazia uma curva de um quarto de círculo, rodeando
as defesas do castelo. Passando por outro portão, deixaram o tumulto da cidade
tão rapidamente quanto tinham entrado nele e ingressaram num tipo diferente de
turbilhão: a diversidade agitada mas ordenada de uma área onde se erguia uma
grande construção.
Estavam
agora do lado de dentro do adro murado da catedral, que ocupava toda a quarta
parte da cidade circular, a noroeste. Tom parou por um momento, observando. Só
de ver, ouvir e cheirar aquilo ele se sentia emocionado como num dia de sol.
Quando chegaram, à rectaguarda do carro de boi, dois outros saíam, vazios. Em
oficinas que se estendiam ao longo das paredes laterais da igreja, pedreiros podiam
ser vistos esculpindo os blocos de pedra com seus cinzéis e grandes martelos de
madeira, dando-lhes as formas que juntas resultariam em plintos, colunas, capitéis,
fustes, arcobotantes, arcos, janelas, peitoris, pináculos e parapeitos. No meio
do adro, bem longe das outras edificações, ficava a ferraria, cujo clarão do
fogo era visível através do portal; o barulho metálico do martelo batendo na
bigorna se espalhava pelo adro, enquanto o ferreiro fazia novas ferramentas
para substituir as que os pedreiros iam gastando. Para a maioria das pessoas
era uma cena de caos, mas Tom via um imenso e complexo mecanismo que ele
ansiava por controlar. Sabia o que cada homem estava fazendo e podia ver
instantaneamente até que ponto o trabalho tinha progredido. Estavam construindo
a fachada leste.
Havia
um andaime no lado leste, com uns oito ou nove metros de altura. Os pedreiros
estavam na varanda, esperando que a chuva amainasse, mas os seus serventes
subiam e desciam as escadas com pedras nos ombros. Mais acima, no vigamento da
estrutura do telhado, estavam os encanadores, como aranhas rastejando numa
gigantesca teia de madeira, prendendo folhas de chumbo nos pontos de junção das
escoras e instalando os canos de escoamento e as calhas. Tom percebeu que a
construção, lamentavelmente, estava quase terminada. Se fosse contratado, o
trabalho que restava ali não duraria mais que dois anos, não era tempo bastante
para ascender à posição de mestre pedreiro, quanto mais de mestre construtor.
Mesmo assim, aceitaria o emprego, pois o inverno estava chegando. Ele e a família
poderiam sobreviver sem trabalho, caso ainda tivessem o porco. Mas sem ele, Tom
precisava arranjar serviço». In Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989,
Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5
Cortesia de EPresença/JDACT
JDACT, Ken Follett, Catedrais, Idade Média, Narrativa, Cultura,