Sempre
tentava dar a impressão de que tudo ia bem, que estava no controle
da
situação, e que não tinha muita importância se não houvesse trabalho no lugar,
porque certamente encontraria algo na cidade seguinte, ou na outra. Sabia que
se exibisse qualquer sinal de aflição ela insistiria para encontrar um lugar onde
se estabelecessem, e ele não queria, a não ser que fosse numa cidade onde houvesse
uma catedral a ser construída. Não há nada para mim aqui, disse para Agnes.
Vamos embora. Ela ficou acabrunhada.
Pensei
que, com uma catedral e um palácio em construção, haveria lugar para mais um
pedreiro. Ambas as obras estão quase terminadas, explicou Tom. Eles já têm mais
homens do que precisam. A família atravessou a ponte levadiça e voltou às ruas
apinhadas da cidade. Haviam entrado em Salisbury pelo portão leste, e sairiam
agora pelo portão oeste, pois era a direcção de Shaftesbury. Tom virou à
direita, conduzindo-os através da parte da cidade que ainda não tinham visto. Parou
diante de uma casa de pedra seriamente necessitada de reparos. A argamassa
usada na construção era muito ruim, e agora estava se esfarelando e caindo. A água
que entrara pelos buracos, congelando, partira algumas pedras. Se ficasse assim
mais um inverno o dano seria ainda pior. Tom decidiu mostrar aquilo ao proprietário.
A
entrada do andar térreo era um arco amplo. A porta de madeira estava aberta, e
no portal viu um artesão sentado com um martelo na mão direita e um furador na
esquerda, gravando um desenho complexo numa sela de madeira colocada no banco à
sua frente. No fundo Tom pôde ver depósitos de madeira e couro, e um garoto
varrendo aparas. Bom dia, mestre seleiro - disse ele. O seleiro ergueu os
olhos, classificou Tom como o tipo de homem que faria sua própria sela se
precisasse de uma, e cumprimentou-o secamente com um gesto de cabeça.
Sou
construtor, prosseguiu Tom. Vejo que está precisando de meus serviços. Por quê?
Sua argamassa está-se esfarelando, as pedras estão rachando e sua casa pode não
durar outro inverno. O seleiro sacudiu a cabeça. A cidade está cheia de
pedreiros. Por que iria eu empregar um estranho? Muito bem. Tom se virou. Que
Deus o proteja. Assim espero - disse o seleiro. Sujeito mal-educado, cochichou
Agnes, quando se afastaram. A rua dava numa praça onde funcionava um mercado.
Ali, numa extensão de meio acre de lama, os camponeses das proximidades
trocavam as poucas sobras que podiam ter de grão, leite ou ovos pelas coisas
que precisavam e que não podiam fazer, panelas, relhas de arado, cordas e sal.
Os mercados geralmente eram coloridos e um tanto turbulentos. Havia um bocado
de discussões e regateios bem-humorados, pretensa rivalidade entre barraqueiros
vizinhos, bolos baratos para as crianças, às vezes um menestrel ou um grupo de acrobatas,
grande número de prostitutas muito pintadas, e às vezes um soldado aleijado com
histórias dos desertos orientais e de enfurecidas hordas sarracenas.
Os
que faziam uma boa barganha com frequência sucumbiam à tentação de celebrar, e
gozavam o lucro com uma cerveja forte, de modo que havia sempre uma atmosfera
de desordem por volta do meio-dia. Outros perdiam suas moedas nos dados, o que
podia acabar em briga. Mas agora, na manhã de um dia de chuva, com a safra do
ano vendida ou armazenada, o mercado estava contido. Camponeses encharcados de
chuva faziam barganhas taciturnas com barraqueiros que tremiam de frio, todos
ansiosos por ir para casa e sentar diante de uma lareira.
A
família de Tom forçou caminho por entre a multidão desconsolada, ignorando as
lisonjas desanimadas do vendedor de salsichas e do amolador de facas. Já tinham
quase acabado de atravessar a praça quando Tom viu o seu porco. Ficou tão
surpreso que a princípio não pôde acreditar nos próprios olhos. Então Agnes
disse entre os dentes: Tom! Olhe! E ele soube que ela vira também. Não havia a
menor dúvida: o pedreiro conhecia aquele porco, tão bem quanto conhecia Alfred
ou Martha. Estava sendo transportado, com perícia, por um homem com a pele
rosada e a barriga grande de quem come toda a carne de que precisa e depois um
pouco mais: um açougueiro, sem dúvida». In Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989,
Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5
Cortesia de EPresença/JDACT
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