sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Os Pilares da Terra. Ken Follett. «Não havia a menor dúvida: o pedreiro conhecia aquele porco, tão bem quanto conhecia Alfred ou Martha. Estava sendo transportado, com perícia, por um homem com a pele rosada e a barriga grande de quem come toda a carne de que precisa e depois um pouco mais: um açougueiro, sem dúvida»

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«Tom sabia que não havia esperanças, mas perguntou: E o palácio? A mesma coisa, disse John. É onde estou usando os homens que sobram. Se não fosse por isso e pelos outros castelos do bispo Roger, eu já estaria dispensando pedreiros. Tom assentiu com a cabeça. Em voz neutra, tentando não parecer desesperado, perguntou: Sabe de algum lugar onde haja trabalho? Estavam construindo no Mosteiro de Shaftesbury no início do ano. Talvez ainda estejam. Fica a um dia de viagem. Obrigado. Tom virou-se para ir embora. Sinto muito, disse John, às suas costas. Você parece um bom homem. Ele afastou-se sem responder. Sentia-se deprimido. Permitira-se ter esperanças demais; não havia nada de raro em não haver trabalho. Mas ficara entusiasmado com a perspectiva de trabalhar novamente numa catedral. Agora podia ter de enfrentar uma muralha monótona, ou trabalhar numa casa feia para algum com dinheiro. Endireitou os ombros e atravessou de novo o pátio do castelo, onde Agnes o aguardava com Martha. Nunca deixava que ela percebesse o desânimo que pudesse sentir.

Sempre tentava dar a impressão de que tudo ia bem, que estava no controle

da situação, e que não tinha muita importância se não houvesse trabalho no lugar, porque certamente encontraria algo na cidade seguinte, ou na outra. Sabia que se exibisse qualquer sinal de aflição ela insistiria para encontrar um lugar onde se estabelecessem, e ele não queria, a não ser que fosse numa cidade onde houvesse uma catedral a ser construída. Não há nada para mim aqui, disse para Agnes. Vamos embora. Ela ficou acabrunhada.

Pensei que, com uma catedral e um palácio em construção, haveria lugar para mais um pedreiro. Ambas as obras estão quase terminadas, explicou Tom. Eles já têm mais homens do que precisam. A família atravessou a ponte levadiça e voltou às ruas apinhadas da cidade. Haviam entrado em Salisbury pelo portão leste, e sairiam agora pelo portão oeste, pois era a direcção de Shaftesbury. Tom virou à direita, conduzindo-os através da parte da cidade que ainda não tinham visto. Parou diante de uma casa de pedra seriamente necessitada de reparos. A argamassa usada na construção era muito ruim, e agora estava se esfarelando e caindo. A água que entrara pelos buracos, congelando, partira algumas pedras. Se ficasse assim mais um inverno o dano seria ainda pior. Tom decidiu mostrar aquilo ao proprietário.

A entrada do andar térreo era um arco amplo. A porta de madeira estava aberta, e no portal viu um artesão sentado com um martelo na mão direita e um furador na esquerda, gravando um desenho complexo numa sela de madeira colocada no banco à sua frente. No fundo Tom pôde ver depósitos de madeira e couro, e um garoto varrendo aparas. Bom dia, mestre seleiro - disse ele. O seleiro ergueu os olhos, classificou Tom como o tipo de homem que faria sua própria sela se precisasse de uma, e cumprimentou-o secamente com um gesto de cabeça.

Sou construtor, prosseguiu Tom. Vejo que está precisando de meus serviços. Por quê? Sua argamassa está-se esfarelando, as pedras estão rachando e sua casa pode não durar outro inverno. O seleiro sacudiu a cabeça. A cidade está cheia de pedreiros. Por que iria eu empregar um estranho? Muito bem. Tom se virou. Que Deus o proteja. Assim espero - disse o seleiro. Sujeito mal-educado, cochichou Agnes, quando se afastaram. A rua dava numa praça onde funcionava um mercado. Ali, numa extensão de meio acre de lama, os camponeses das proximidades trocavam as poucas sobras que podiam ter de grão, leite ou ovos pelas coisas que precisavam e que não podiam fazer, panelas, relhas de arado, cordas e sal. Os mercados geralmente eram coloridos e um tanto turbulentos. Havia um bocado de discussões e regateios bem-humorados, pretensa rivalidade entre barraqueiros vizinhos, bolos baratos para as crianças, às vezes um menestrel ou um grupo de acrobatas, grande número de prostitutas muito pintadas, e às vezes um soldado aleijado com histórias dos desertos orientais e de enfurecidas hordas sarracenas.

Os que faziam uma boa barganha com frequência sucumbiam à tentação de celebrar, e gozavam o lucro com uma cerveja forte, de modo que havia sempre uma atmosfera de desordem por volta do meio-dia. Outros perdiam suas moedas nos dados, o que podia acabar em briga. Mas agora, na manhã de um dia de chuva, com a safra do ano vendida ou armazenada, o mercado estava contido. Camponeses encharcados de chuva faziam barganhas taciturnas com barraqueiros que tremiam de frio, todos ansiosos por ir para casa e sentar diante de uma lareira.

A família de Tom forçou caminho por entre a multidão desconsolada, ignorando as lisonjas desanimadas do vendedor de salsichas e do amolador de facas. Já tinham quase acabado de atravessar a praça quando Tom viu o seu porco. Ficou tão surpreso que a princípio não pôde acreditar nos próprios olhos. Então Agnes disse entre os dentes: Tom! Olhe! E ele soube que ela vira também. Não havia a menor dúvida: o pedreiro conhecia aquele porco, tão bem quanto conhecia Alfred ou Martha. Estava sendo transportado, com perícia, por um homem com a pele rosada e a barriga grande de quem come toda a carne de que precisa e depois um pouco mais: um açougueiro, sem dúvida». In Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989, Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5

Cortesia de EPresença/JDACT

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