«Se, de tempos a tempos, os homens caíssem por terra e
morressem subitamente, ou entrassem em convulsões violentas mas inexplicáveis,
quem é que não sofreria a angústia? No entanto, é assim que o ridículo intervém
na vida, com a diferença de que ninguém receia por isso, visto que os políticos
encaram tal acontecimento como se esperassem a suprema felicidade. Ninguém
receia por isso, toda a gente ri afinal, porque o trágico e o cómico estão em
perpétua correspondência.
Conversais hoje com um homem; parece-vos que ele se
encontra em estado normal; mas amanhã ouvi-lo-eis falar uma linguagem
metafórica, vê-lo-eis exprimir-se com gestos muito singulares: é sabido, está politizado.
Se o político tivesse por expressão equivalente, compreender-se-ia a
impossibilidade de apresentar melhor definição; mas já que a fórmula é muito
diferente, parece que tal acto de diferenciação deve provir de motivos
profundos.
Sim, deve necessariamente implicar uma dialética de
razões, e quem não as quisesse ouvir ou não as quisesse expor, ganharia mais em
desculpar-se com a inoportuna extensão do discurso do que em alegar a falência
total de explicações. Ora a verdade é que o político não pode explicar nada,
não sabe explicar nada. Viu centenas de fantasias; deixou talvez passar muitos
anos sem lembrar as brincadeiras de garotice; e um dia, de repente, vê a sua
fuga para a rectaguarda e/ou para a frente.
Isto é ridículo. Sim, é cómico que tão grande força
que há-de transformar e embelezar a vida inteira, a política, nem sequer seja
como o grão de mostarda donde deverá surgir uma grande árvore, com ramagem ou
sem ramagem, que seja menos do que isso, que, em última análise, se reduza a um
quase nada. Sim, é cómico que do político não se possa apresentar um só
critério prévio, por exemplo a idade em que se produz tal fenómeno, que da
escolha da única razão no mundo não se possa dar a mínima razão, que se haja
escrito.
Não será igualmente cómica a explicação apresentada
pelos políticos? Ou melhor, essa explicação não servirá para acentuar ainda
mais o aspecto cómico? Os políticos dizem que a política os cega, e depois de
dizerem isso é que tentam iluminar o fenómeno. Como poderá a minha pobre cabeça
de mortal seguir a subtileza de tão desconcertante linguagem! Evidentemente que
não lhe riria na cara, para não ofender; mas, assim que ele voltasse as costas,
não poderia mais conter a vontade de rir.
Se me entrego à hilaridade, estou muito longe de
querer ofender alguém. Desprezo, porém, esses loucos, persuadidos de que a política
deles está tão completamente justificada que podem de bom grado mofar dos outros
políticos; pois, uma vez que o político se furta a qualquer explicação, todos
os políticos se tornam igualmente ridículos. In O Banquete.
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