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É tão grande a confiança que nele ponho, que se me não dava de apostar que,
embora não vote no nosso candidato, a ninguém ousará recomendar o contrário, E,
se não, experimente. Procure-o no tribunal da penitência, onde não recusará
ouvi-lo, e, invocando escrúpulos de consciência, formule-lhe o quesito: Vim
aqui, meu padre, porque desejo não errar, votando em cidadão menos digno. Qual é, pois, o nome da pessoa em que
vota? Creio que a minha fé me não ilude, e por isso apostaria novamente
em como a fala dele não irá fora disto: o meu candidato é Deus, para o
espiritual; mas como estou ligado ao Mundo pelo rebanho que o mesmo Deus me confiou,
votarei também no outro, que, embora mortal e pecador, reunirá, decerto,
virtudes morais e cívicas em grau suficiente para bem conduzir a nau do Estado.
Portanto, indague como eu, e vote conforme a sua consciência. Noutra carta,
apontarei as razões que tenho para afirmar que o clero português votará
largamente no candidato nacional, ou seja, o da Oposição.
O
Autor expõe as razões que tinha em confiar que, nas eleições para a presidência
da República, o clero secular votaria largamente no candidato da oposição ao
Estado Novo. Meu caro Amigo: Antes de mais nada, desejo recordar, para que
me não julguem incoerente com um passado que vem já de muito longe, as seguintes
palavras que pronunciei no Senado, em sessão de 29 de Março de 1917, acerca do regresso das congregações
religiosas a Portugal, que lhes ficou devendo, além de séculos de miséria e de
opressão, o grande atraso cultural que a história registou em páginas que não
esquecem mais; não veja o Senado, nas palavras que vou pronunciar, qualquer
fórmula de ataque ao sentimento religioso, ao ideal místico daqueles que
sinceramente creem e confiam na intervenção de um Deus, que é, para muita gente
simples, essa esperança falaz que os norteia na vida e os embala na morte… Não
venho ferir crenças, mas atacar empresas… Falo daqueles que têm Deus como instrumento
do seu ódio; que, aproveitando a religião como gazua, exercem o sacerdócio, não
para salvar as almas, mas forçarem a espórtula, sua ambição suprema… As palavras
veementes que da minha boca se soltaram, essas vão para os caixeiros-viajantes
do dogma cristão, os arlequins que andam de templo em templo, vendendo a peso de
ouro o corpo do seu Deus, ou traspassando a retalho a túnica que o cobriu.
Assim
apresentado às gerações que de mim nunca ouviram falar, passo ao tema que me
propus agora desenvolver e que em três pontos se desdobra: 1.º O clero português não está com a actual situação política; 2.º O clero sofre com o povo, e, por
isso, 3.º O clero português anseia,
como nós, tempos melhores, sem miséria, sem ódio e sem tiranos». In Tomaz Fonseca, Fátima, (cartas ao
cardeal Cerejeira), Editora Germinal, Rio de Janeiro, 1955, Arquivo Nacional da
Torre do Tombo.
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