Os Pilares da Igreja
«(…) Durante quase um decénio comentava-se nos círculos curiais o
relatório de um médico assistente respeitante a um eminentíssimo paciente de
quem cuidava há anos. O cardeal-paciente era chefe de um importante dicastério
da cúria, um concentrado de secções de fabrico
de tudo o que os outros departamentos curiais produzem para o rito latino.
Quando chegou, atónito e desorientado, comparou-se com o cavalo que dorme em
pé: com o véu de Moisés sobre o rosto, as ideias e os problemas jurídicos mais
complexos passavam-lhe ao lado, mas apercebia-se pouco a pouco de que havia
qualquer coisa que não entendia. Resolveu viajar, mas sem direcção precisa,
vagueando no aeroporto durante o dia inteiro, enquanto a polícia não avisou o
Vaticano para o ir buscar... O purpurado, confuso, socorria-se permanentemente
do seu dedicado médico assistente, chamando-o a casa e queixando-se: doutor, desde há bastante tempo, sinto que tenho
qualquer coisa na cabeça; não consigo explicar-me mas sinto qualquer coisa cá
dentro. E o atencioso médico respondia para lhe dar segurança: eminência, esteja tranquilo, já lhe disse
tantas vezes, não se preocupe, não se aflija ainda mais, esteja sereno; vossa
eminência não tem absolutamente nada na cabeça! Assim se convenceu o purpurado
durante algum tempo, que de facto não havia nada de anormal na sua cabeça.
Primeira oração inútil: Senhor, longe de Ti permitir que quantos
Te rezam directamente para obter justiça comutativa não sejam atendidos e
fiquem desiludidos; longe de Ti satisfazer quantos se esforçam por conformar-se
Contigo perante as suas ambições de sucesso através de subterfúgios e
vigarices. Ámen.
Segunda oração inútil: Pai misericordioso, para a Tua Igreja vale
mais uma gora de paz do que cem libras de discutíveis virtudes: faz com que
sejam inofensivos os prelados polacos aos quais confiaste tanto poder na cúria,
a fim de que, sob o Teu controlo, aprendam a não nos meter medo. Ámen.
Terceira oração inútil: Senhor, agradeço-Te por me teres
retirado, desta vez, a faculdade de agir às escondidas!, dizia o recém-cardeal,
muito comovido e reconhecido depois de receber o manto da investidura.
Quarta oração inútil: Oh! Deus que quiseste agregar S. Matias ao
colégio apostólico, concede-me, a mim que por sorte recebi a eficaz amizade do
meu cardeal protector, ser contado, por sua intercessão, entre os eleitos da
cúria. Ámen.
A cada um dos bispos demissionários cujo número é quase igual ao número
dos que estão no exercício de funções dada a esperança de vida dos velhos, fica
bem rezar; fica comigo, Senhor; faz-se tarde e os meus dias estão no fim. O crepúsculo
ensombra o meu pó. Do lado de cá estou só; do lado de lá é a luz. Aguardo quem me
dê uma passagem! Solilóquio do reformado na estação terminal: A minha é a
estrada de Emaús, faz-se tarde. Atrás de mim, admoesta-me a sombra do sol
rasante alongada juntamente com a minha. Senhor, já é tarde! Assalariado da
décima primeira hora, já não sou útil na Tua vinha: está tudo escuro em toda a
volta e por dentro. Adeus, Senhor, até à outra margem! A irmã que superintendia
na casa de um poderoso purpurado, exaltada por uma forte devoção mariana, reza
muitas vezes assim: Minha Senhorinha,
disse-te tantas vezes: não escolhas os pequenos e os ignorantes quando deves
aparecer aos homens para anunciar a tua mensagem. Se continuas assim, serás
sempre contestada como em Fátima e em Medjugorie. Experimenta, pelo contrário,
revelar-te alguma vez a um importante prelado da Igreja, por exemplo, a um
cardeal! Ele, através da televisão do Vaticano faria saber a todo o mundo a
mensagem que tu quisesses confiar. O que Jesus diria ao ouvido, ele o
proclamaria imediatamente sobre os tectos, retransmitido na televisão pelas
mais poderosas antenas. Ninguém se permitiria duvidar da sobrenaturalidade de
tão infalível aparição. Ámen e assim seja!
Todos os colegas de repartição se riam da oração de
um que a sabia toda: senhor, não me humilhes obrigando-me a ter saudades do
tempo em que se esteve pior! Na verdade, acontece que mudam de opinião sobre o superior
anterior face ao sucessor, em especial se este, na sua desenfreada ambição de
déspota sem escrúpulos e com o seu poder ilimitado, comete verdadeiros e óbvios
crimes por abuso no exercício das funções. A sua autorizada majestade usa da
liberdade que julga rer o direito de atribuir-se». In I Millenari, Via col vento in
Vaticano, Kaos Edizioni, 1999, O Vaticano contra Cristo, tradução de José A.
Neto, Religiões, Casa das Letras, 2005, ISBN 972-46-1170-1.
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