quinta-feira, 18 de junho de 2015

Van Gogh e Sétimos Aforismos. Vicente Sanches. «Se existissem provas da existência de Deus, (provas válidas, entenda-se, provas a valer,) eu “comprava” uma. Existem. Mas estás enganado. Não compras nenhuma. São muitas caras! Muito caras? Quanto custam?»

jdact

Sétimos Aforismos
«Haver uma prova logica; decisiva; decisória, acerca da existência de Deus, seria a maior brutalidade deste mundo. Com efeito, se tal prova fosse possível, (claro que, graças a Deus, não é possível), a solução do problema de Deus, podia ser imposta, a todos os homens, pela força. Pela força da lógica! Ora, com franqueza, era o que faltava.
Em matéria de Metafísica, ai!: sabe mais um simples analfabeto, morto, a dormir, do que um senhor letrado, vivo e acordado.
Eu não me importo que eles digam que o homem vem do macaco. Importo-me é que digam que vai para macaco. Que vai para macaco? Ou seja: que a alma humana evoluída; já racional sofra afinal..., morte animal; morte macaca.
Seria tão escandaloso, ontologicamente, que Deus e a vida além da morte não existissem, que até o próprio Nada seria o primeiro a proibir que os mortos se dessem conta desse escândalo; tomassem consciência dessa verdade (se ela fosse verdade).
Deus? Isso..., é pura poesia! Nesse caso..., demonstra-se que Deus na realidade existe.
E como... se demonstra? Silogisticamente! Silogisticamente? E que é das premissas? A menor, foi-me dada por você (poeta menor): Deus é pura poesia. A maior, é-me dada por Novalis (poeta maior): quanto mais poético, mais real; quanto mais poético, mais verdadeiro.
Se existissem provas da existência de Deus, (provas válidas, entenda-se, provas a valer,) eu comprava uma. Existem. Mas estás enganado. Não compras nenhuma. São muitas caras! Muito caras? Quanto custam? Todo o dinheiro. Todo o dinheiro? Todo o dinheiro.


Como é que se prova a existência de Deus? Como é que se prova? Provando. Mas provando..., como? Provando..., saboreando..., Ai não é com argumentos? É com sabores? Sim, com sabores. Aliás, com sabor. Não era melhor..., com saber? Só se o saber..., tiver sabor! E se o saber..., for sem sabor? É sensabor! Não sabe a nada. Nem sabe nada...
Li ontem uma bela poesia de Natal; e gostei de saber e saborear que o autor era ateu. Se fosse crente o poeta, ao fazer aqueles versos não fazia mais do que uma espécie de obrigação... Mas, sendo ateu, foi devoção!
É impossível que Deus exista. É impossível, de acordo. Mas Deus..., talvez exista, por isso mesmo. Por isso mesmo?! Pois. Ora repare: se fosse possível Deus existir, isso é que até parecia mal..., sim, como que até ficava mal..., que Deus existisse! Porquê?! Porque era uma coisa..., demasiado fácil! Não era, digamos, nenhum milagre...» In Vicente Sanches, Van Gogh e Sétimos Aforismos, edição numerada com nº 000051, Gráfico de S. José, Castelo Branco, 1990.

Cortesia de G S.José/JDACT