Sétimos
Aforismos
«(…)
Fui passear ao Jardim Zoológico. E diz-me a certa altura um passarinho: há
menos sentido metafísico no interior da cabeça de muitos macacos..., que no
exterior do pescoço..., da dona girafa!
Duas
hipóteses. A hipótese da vida para além da morte. E a hipótese do nada para
além da morte. Duas hipóteses. Duas apostas. Duas opostas..., apostas! Mas a
primeira, se perder, não conhece a derrota; e a segunda, se ganhar, não conhece
a vitória. Qual a melhor?
Desculpem,
mas eu acho que todos os verdadeiros poetas deviam ser cristãos. Pois o que é
um poeta? Alguém capaz, alguém especialmente capaz, de acreditar no impossível. Alguém capaz de duvidar de
tudo, menos do impossível. Ora o impossível por excelência, o impossível dos impossíveis: eis a base do cristianismo: o Verbo fazer-se carne;
Deus fazer-se homem. Sim, o Evangelho devia ser pregado, em primeiro lugar, aos
autênticos eleitos..., aos autênticos poetas... E só depois, quando estes o
recusassem, (como de facto muitos o recusam), à outra gente, às outras gentes:
aos gentios, aos outros homens... A nós: os cegos, os coxos, os pobres, os
inválidos...
Revolta-me
a perspectiva de um fim do mundo provavelmente próximo devido ao benemérito avanço
da Civilização; devido ao abençoado requinte da Técnica. Só bombas atómicas já
as há fabricadas e armazenadas, prontinhas para consumo, em número acima, muito
acima do necessário para aniquilar toda a vida, vegetal, animal e humana, sobre
a face da Terra. E indigna-me, confesso, pelo menos muitas vezes indigna-me,
pensar que o Homem se suicida; pensar que o Planeta qualquer dia rebenta.
Outras vezes, porém, também confesso: quase que estou como certa velhota minha
vizinha. Mlnha vizinha..., e muito beata... Essa velhota (muito beata..., e
minha vizinha...) quando lhe falam na supremamente angustiante, horrível, trágica,
super-trágica hipótese de se acabar o Mundo, encolhe os ombros, e faz apenas
este comentário: Não se acaba grande
coisa.
Hegel
disse: Eu vi Napoleão a cavalo: eu vi o Espírito a cavalo. Là-dessus, o cavalo do
Napoleão, a besta do Napoleão menos mentira, se retorquira: Viu-se o Hegel a
pé: viu-se o Espírito à pata.
Porque
será que Francisco de Assis, explicando aos animais, às plantas e às pedras a
doutrina cristã, constitui uma figura de mestre sublime, e o filósofo Hegel, se
explicasse aos animais, às plantas ou às pedras, que todo o real é racional, faria uma figura de parvo ridículo?
Das
provas da existência de Deus, a melhor..., é documental. Um argumento..., documento! Documento? Fac-simile. Fotocópia! Fotocópia?! Fotocópia...,
de Deus! Hein?! Fotocópia de Deus?! Perfeita! E autenticada! Autenticada?! Com
selos e tudo. Com selos e tudo?! Com estigmas e tudo...
Discutem
os teólogos se uma coisa que S. Francisco fez, no início da sua carreira de
santo, foi pecado ou não. Essa coisa foi: agarrar no dinheiro, no rico dinheiro
de Pedro Bernardão, e atirá-lo (ao dinheiro...) pela janela fora. Eu não sou
teólogo; eu sou literato. Eu acho que S. Francisco errou, pecou..., gramaticalmente; acertou..., estilisticamente».
In
Vicente Sanches, Van Gogh e Sétimos Aforismos, edição numerada com nº 000051,
Gráfico de S. José, Castelo Branco, 1990.
Cortesia
de G S.José/JDACT