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A
Gruta
«Era
tempo de seca.Em 1987, a minha casa era uma cubata de erva numa zona tribal seca
do centro do Zimbabwe, na Africa Meridional, completamente isolada do resto do mundo.
Tinha estado a fazer trabalho de campo numa misteriosa tribo africana chamada lemba.
Isso era parte do meu trabalho. Na altura, era leitor de Hebraico no Departamento
de Estudos do Próximo e Médio Oriente da Faculdade de Estudos Orientais e Africanos
da Universidade de Londres e de há algum tempo a esta parte essa tribo é o meu principal
tema académico.
Como é que passava o meu tempo na
aldeia? No calor abrasador do dia, vagueava pelos montes próximos da aldeia e vasculhava
os restos da antiga cultura de construção de pedra que os lemba afirmavam ser obra dos
seus antepassados distantes. Com a minha pequena espátula, tinha descoberto alguns
ossos, peças de cerâmica local e uma ou duas ferramentas de ferro de idade indeterminada.
Não era grande coisa para mandar dizer para casa. Depois, lia, escrevia os meus
apontamentos e passava grande parte da noite a ouvir as narrativas dos mais velhos.
Os lemba mantinham a
surpreendente afirmação de serem de origem israelita, embora a presença de israelitas
ou judeus na Africa Central nunca tivesse sido confirmada. Por outro lado, falava-se
desde o princípio dos tempos medievais em reinos judeus perdidos na Africa mais
negra. O que ouvi dizer foi que a tribo acreditava que, quando saiu de Israel, se
instalou numa cidade chamada Senna, algures do outro lado do mar. Ninguém fazia
ideia nenhuma de onde se localizava essa misteriosa Senna e eu também não. A
tribo tinha-me pedido que achasse a sua cidade perdida e eu tinha prometido tentar.
Tudo o que sabia em 1987 acerca da tribo lemba, com 40 000 membros, era que eram
pretos, falavam várias línguas bantus como venda ou xona, viviam em vários locais
da África do Sul e do Zimbabwe, fisicamente não se distinguiam dos vizinhos e tinham
muitos costumes e tradições idênticos aos das tribos africanas entre as quais viviam.
Mas, por outro lado, também tinham
algumas lendas e costumes misteriosos que não pareciam africanos. Circuncidavam
os rapazes. Praticavam o abate ritual de animais, usando uma faca especial; recusavam-se
a comer pombos e várias outras criaturas; sacrificavam animais em lugares altos
como os antigos israelitas; e seguiam muitas das outras leis do Velho
Testamento. A observação da lua nova era de importância capital para eles, tal
como é para os judeus. Os seus nomes de clã pareciam derivados do árabe, do hebraico
ou de alguma outra língua semita.
Durante os meses que passei na aldeia
a tentar desvendar os seus segredos, nunca encontrei a prova absoluta, a pistola
de fumo, que demonstraria que a sua tradição oral, que os ligava ao antigo Israel,
era verdadeira. Nunca encontrei uma inscrição numa pedra, um fragmento de uma oração
hebraica, um artefacto do antigo Israel. Nem sequer uma moeda ou um caco de cerâmica.
Antes
de chegar ao Zimbabwe, tinha passado uns meses com as grandes comunidades lembas
da vizinha África do Sul. Aí, os líderes da tribo tinham-me dado uma boa quantidade
de informação. Esperava basear-me nisso no Zimbabwe e pedi ao chefe lemba local
que facilitasse a minha investigação. O chefe mposi convocou uma reunião
dos mais velhos dos clãs lembas e, tentados pela minha promessa de tentar
descobrir a sua cidade perdida de Senna, concordaram oficialmente em permitir que
investigasse a sua história. Mas depois não me disseram nada que se parecesse com
o que eu esperava. Não abriam a boca acerca de nada que tivesse fosse o que
fosse a ver com as suas práticas religiosas. Só a minha disponibilidade para me
sentar com eles pela noite fora, até o meu uísque soltar a língua dos velhos, é
que me permitiu ouvir alguma coisa acerca do seu notável culto». In Tudor
Parfitt, A Arca Perdida da Aliança, 2006, Livros d’Hoje, Publicações dom
Quixote, 2008, ISBN 978-972-203-541-5.
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