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«(…) O dispositivo leva a crer
que tais roubos e injúrias eram fruto da conflitualidade interna, derivando
quer da ausência de regulamentação de princípios proclamados no primeiro foral,
quer da falta de códigos de processo judicial e penal e de garantias aos
magistrados, já que nele relevam extensivamente as cláusulas relativas à paz e
justiça internas. As demais normas reportam-se à tributação e vida económica, abrindo-se
já aos horizontes mercantis. O enfoque penal justificava a primeira menção ao
grupo dos dependentes, concretamente os mouros. Estes não gozavam de
personalidade jurídica, sendo os seus donos responsáveis pelos delitos que
cometessem. Sobre eles incidiam penas corporais: podiam ser lapidados,
açoitados ou, até, queimados. Mantinha-se o concilium como órgão judicial, ao qual se
apresentavam as queixas, e o juiz como magistrado capaz de administrar a
justiça, a par do comendador templário da vila (e seu alcaide-mor). A par desta
intromissão senhorial, outra se verificava: a do mordomo, funcionário da Ordem
no concelho, com largas atribuições, sobretudo na instrução do processo e na
execução por dívidas. Os oficiais de justiça, incluindo funcionários
subalternos como o saião e o porteiro do alcaide eram coutados em 500 soldos,
procurando-se assim evitar pressões físicas ou retaliações. Os que cuidavam da
justiça deviam ser íntegros e prestigiados. Por isso, determinava-se que os
sinais do alcaide e do juiz fossem tidos por testemunhos, ao mesmo tempo que se
castigava com dureza a corrupção e aliciamento do mordomo ou das justiças, ou o
concluío entre o mordomo e vozeiros.
Definia-se o quadro do processo
judicial. Apresentada a queixa aos órgãos competentes, através da fórmula do
tibi istam querimoniam pro voce, identificava-se a questão central do
pleito, sobre a qual devia incidir a prova. Formulada a intentio, a acusação, procedia-se
ao apuramento da verdade, através de averiguações (per exquisam), ou ouvindo os depoimentos de testemunhas das
partes. Todos deviam colaborar no apuramento da verdade: quem a conhecesse e
negasse, tinha de reparar os prejuízos no dobro e jamais seria aceite o seu
testemunho. O rol dos delitos e respectivos castigos, multas pecuniárias (calupnias, ou coimas), ou penas
físicas, preenche boa parte do clausulado. A humilhante punição física era
aplicada aos homens de condição inferior, aos ladrões que não pudessem pagar as
respectivas coimas e a certas agressões causadores de feridas. As coimas mais
graves referiam-se aos crimes tidos por mais nefandos: os exercidos contra a pessoa
humana, a família e a casa. Impõem-se algumas breves observações acerca dos
principais valores que se impunha salvaguardar.
Relativamente às agressões e
crimes contra a pessoa humana, sublinhe-se a muito díspar ponderação das penas
que lhes dizem respeito, conforme estes são praticados no couto da vila, ou
fora dele. É que a prática da violência constituía um problema menor nos
limites do espaço rural, mas era particularmente perturbadora do viver urbano,
razão pela qual, aliás, se proibia o porte de arma no perímetro urbano.
Note-se, também, a oposição aos agrupamentos de familiares e amigos, visando
agredir outrem.
Por outro lado, o respeito pela
estrutura familiar e pelo espaço domiciliário, justificando não só se punissem
com severidade os delitos contra ela praticados, mas também a afirmação dos
direitos de inviolabilidade do domicílio, que só poderia ser penhorado por
decisão judicial, ou do marido reclamar mulher e filha solteira, onde quer que
se encontrassem, ou a recuperar filho dele dependente, sem que daí decorresse
qualquer punição. Também eram merecedores de provimento os actos perturbadores
da vida comunitária ou violadores da propriedade privada. Sobre este aspecto, é
de registar que a pessoa do delinquente não beneficiava de quaisquer garantias,
podendo o proprietário dos haveres afectados prendê-lo como lhe fosse possível, ou feri-lo, mesmo gravemente, sem que
tivesse de ressarci-lo, ou sofresse qualquer outra punição». In
Manuel S. A. Conde, Os Forais Tomarenses de 1162 e 1174, Casa de Sarmento,
Centro de Estudos do Património, Universidade do Minho, Revista Guimarães, nº
106, 1996.
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