sexta-feira, 27 de abril de 2018

Estudos sobre a Ordem de Avis. Séculos XII-XV. Maria Cristina Cunha. «Um deles é a mobilidade dos membros da Ordem: apesar de existirem no cartório de Avis, actualmente depositado na Torre do Tombo»

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A mobilidade interna na Ordem de Avis (século XII-XIV)
«(…) As reflexões que agora se apresentam enquadram-se num estudo mais vasto que temos vindo a efectuar sobre a Ordem Militar de S. Bento de Avis no período que vai desde as suas origens, cerca de 1176, até finais do século XIV, e do qual resultaram vários trabalhos que permitiram conhecer não só a evolução geral da milícia e o modo de constituição do seu património, mas também o seu relacionamento com a monarquia portuguesa naquele lapso de tempo. Há, contudo, alguns aspectos que a análise da documentação nos tem sugerido, e que, tanto quanto sabemos, nunca foram abordados de uma forma sistemática. Um deles é a mobilidade dos membros da Ordem: apesar de existirem no cartório de Avis, actualmente depositado na Torre do Tombo, apenas alguns documentos que se referem de uma forma explícita à deslocação dos freires, dentro e fora do país, ela deve ter tido maior dimensão do que uma análise superficial dos actos conservados permite supor.
Assim sendo, aproveitando as informações que nos são fornecidas, não só pela documentação específica da milícia, mas também pelas crónicas dos reis de Portugal, pelos diplomas régios e por outros actos avulsos, coligimos algumas referências indirectas que testemunham a presença do Mestre ou dos cavaleiros de Avis em diversos pontos do reino. Verificamos deste modo, e num primeiro balanço, que a mobilidade dos freires de Avis está relacionada com três aspectos chave: a sua relação com a monarquia, a sua implantação territorial e a sua filiação na Ordem de Calatrava. Será exactamente por esta ordem que abordaremos o tema que agora nos ocupa.
A Milícia dos Freires de Évora, chamada Ordem (de S. Bento) de Avis depois de 1211, após a doação do lugar assim chamado por Afonso II, terá surgido entre Março de 1175 e Abril de 1176 num contexto de avanço almoada e da impossibilidade manifestada pela Ordem do Templo em assegurar eficazmente a defesa de algumas fortalezas que lhe haviam sido entregues por Afonso Henriques (1137-1185). Tendo sido ou não co-fundador da Milícia (não se sabe se a ideia da criação da milícia partiu do próprio rei, ou se apenas terá sugerido o nome do seu primeiro mestre), este monarca outorgou-lhe, logo em Abril de 1176, o castelo de Coruche e umas casas e vinhas no Alcácer velho em Évora, bem como umas casas em Santarém. Os motivos aduzidos na primeira doação afonsina são a utilitatem christianis et defensionem regni, o que aponta desde logo para a colaboração dos cavaleiros de Évora nas actividades militares régias, concretamente na defesa de fortalezas na fronteira com os mouros. É contudo possível que, além da defesa de Coruche, tivesse sido confiada aos cavaleiros de Évora a guarda do castelo dessa cidade. Foi, no entanto, preciso esperar por 1187 para que a Milícia de Évora recebesse os castelos de Alcanede e de Juromenha (este quando fosse conquistado), bem como a vila de Alpedriz. A posse destes domínios significa, em nosso entender, que nos dez primeiros anos da sua existência, a instituição monástico-militar se desenvolveu, em termos humanos, o suficiente para poder assegurar não só a manutenção destas praças, mas também a sua participação efectiva na Reconquista. Tarefa que, naturalmente, prosseguiu após a morte do primeiro rei português, ocorrida em Dezembro de 1185. A título de recompensa do serviço que então lhe prestava a milícia, Sancho I (1185-1211) doou-lhe em 1193 o castelo de Mafra. Simultaneamente, os cavaleiros colaboravam com o monarca na tarefa repovoadora do reino, outorgando cartas de foral.
No reinado de Afonso II (1211-1223), o prestígio granjeado pelos freires de Évora era já suficiente para particulares lhe fazerem doações, e os seus bens em quantidade bastante para gerar rendimentos que os cavaleiros aplicaram na compra de várias propriedades. Foi também este monarca quem, em 1211, deu à milícia o lugar de Avis, onde viria a ser construído um castelo e o convento principal da Ordem que, a partir de então, passou a ser conhecida como Ordem de Avis. E porque esta continuava assim a servir o rei a nível militar, Afonso II não só confirmou todas as doações régias anteriores, como lhe outorgou uma carta de protecção em 1217». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

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