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Camões
e a Língua Portuguesa
«(…) Não cabe neste momento a refutação
da tese tão frágil quanto imaginosa, defendida por Hermano Saraiva que,
arrastado por um falacioso gosto da novidade e servido por brilhantes qualidades
de comunicação, não prestou a indispensável atenção à moderna metodologia seguida
em estudos desta natureza, para extrapolar dos textos poéticos, camonianos e
comprovadamente não camonianos, o que eles, em matéria de história e crítica
literárias, não comportam. Notarei apenas que até o saber linguístico de Camões
chega para a desmentir, porque se ajusta completa e perfeitamente ao retrato cultural
que ele próprio, com traço exacto e orgulhosa convicção renascentista, de si esboçou,
ao afirmar ao rei Sebastião, no fecho d’Os Lusíadas:
Nem me falta na vida honesto
estudo,
Com longa experiência misturado,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
cousas que juntas se acham raramente.
Desse honesto estudo, que lhe
proporcionou um domínio indiscutido do latim, lhe vinha a consciência da filiação
do português na fecunda matiz do lácio, sustentada, aliás, n’Os Lusíadas, pela boca
de Vénus, quando afirma que a língua da gente lusitana, com pouca corrupção crê que é
a latina. E convém não esquecer, a este propósito um passo da Sátira II,
de André Falcão Resende, dedicada a Luís de Camões, onde segundo Teófilo Braga
e mais recentemente, Costa Ramalho, a expressão bacharel latino se refere
ao próprio destinatário da composição:
Logo algum vil esprito o nota e acusa:
Vedes o triste (diz aos do seu
bando),
Que é bacharel latino, e nada presta
É poeta o coitado, é monstro
nefando.
Bem dentro do pensamento cultural
da sua época, o Poeta não estava alheio ao movimento de defesa e ilustração do
vulgar nacional perante a supremacia do latim proclamada por alguns humanistas de
mais estreito dogmatismo. Tal movimento, comum, embora com naturais oscilações cronológicas,
a toda a Europa romântica, do De vulgari eloquentia, de Dante, à Arte
de la lengua castellana, de Nebrija e à Defense et illustration de la langue
française, de Du Bellay, manifestara-se entre nós com os primeiros gramáticos
Fernão Oliveira e João Barros e inspirara a Ferreira o conhecido louvor da portuguesa
língua que encerra a carta III do Livro I dos Poemas Lusitanos, endereçada
a Pêro Andrade Caminha.
Da cultura clássica de Camões não
há que duvidar. A cítica, de Faria Sousa a José Maria Rodrigues, Epifânio e
tantos outros não tem cessado de acumular provas bem concludentes da sua extensão
e profundidade. Se os meios escolares da sua aquisição não estão documentalmente
determinados, os resultados sobram para convencer os mais cépticos». In
Aníbal Pinto Castro, Camões e a Língua Portuguesa, Quatro Orações Camonianas,
Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1980.
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