sábado, 28 de abril de 2018

Estudos sobre a Ordem de Avis. Séculos XII-XV. Maria Cristina Cunha. «Do ponto de vista da mobilidade dos membros da Ordem de Avis, parece-nos de realçar que a relação entre monarquia e milícia terá forçosamente implicado deslocações dos cavaleiros»

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A mobilidade interna na Ordem de Avis (século XII-XIV)
«(…) A proximidade existente entre monarquia e Ordem militar, se bem que matizada com confrontações esporádicas motivadas por assuntos de carácter variado e pontual, está também patenteada na presença do mestre (e provavelmente de mais alguns cavaleiros) na corte régia e na sua participação na política geral do reino. Se comparativamente a outras ordens militares a presença na corte e a colaboração da Ordem de Avis na política externa do reino se possa considerar no mínimo, bastante discreta, ela certamente terá existido, tanto mais que se tratava de uma milícia ligada a outra sediada no reino de Castela. Já nos referimos a este aspecto em trabalho anterior, a propósito da ocupação do Algarve por Afonso III em meados do século XIII: na luta então travada entre os monarcas português e castelhano pela jurisdição do Algarve, a Ordem de Avis desempenhou um papel nuclear, ao aceitar a doação do castelo de Albufeira tanto das mãos de Afonso III de Portugal (em 1250) como das de Afonso X de Castela (em 1257). Como tivemos oportunidade de realçar, a Ordem de Avis mostrou-se então disponível para demonstrar que tinham viabilidade as soluções propostas pela monarquia castelhana para resolver aquele que era, na altura, o ponto nevrálgico das relações diplomáticas entre os dois reinos (i.e., a quem pertenceria o reino do Algarve, recentemente reconquistado).
Mas se, por um lado, a ligação a uma ordem militar castelhana podia tornar a Ordem de Avis uma peça essencial nas relações entre os monarcas de ambos os reinos, como acabamos de ver, por outro ela pode explicar a (aparentemente) reduzida actividade diplomática da milícia, ao serviço dos reis de Portugal. De facto, é possível que a sensibilidade pró-castelhana que desde cedo se encontra em Avis tenha contribuído para um clima de alguma desconfiança dos monarcas relativamente à Ordem. Contudo, não podemos deixar de colocar a hipótese dos diferentes reis terem colocado essa mesma sensibilidade ao seu serviço. Já aludimos à questão do Algarve. Cerca de 100 anos mais tarde, a participação de fr. Gonçalo Vaz, mestre de Avis, numa embaixada solene a Castela (em 1335), com o objectivo de pedir ao infante João Manuel a mão de sua filha, dona Constança, para o filho do monarca português, pode ter esse significado.
Do ponto de vista da mobilidade dos membros da Ordem de Avis, parece-nos de realçar que a relação entre monarquia e milícia terá forçosamente implicado deslocações dos cavaleiros, sobretudo dentro do reino, embora raramente tenhamos provas concretas de tal facto ter acontecido, nomeadamente depois de terminada a Reconquista. O fim do anúncio das testemunhas e confirmantes nos diplomas régios, bem como a organização mais complexa da administração central que se verifica ao longo do século XIV (patente no teor diplomático dos actos), não nos permite aferir da presença dos mestres de Avis, ou dos seus procuradores, na Corte.
Tendo em conta o processo de formação da Ordem de Avis e do seu património, facilmente se entende que desde sempre os seus membros tenham conhecido alguma mobilidade interna: a doação de castelos e lugares à Ordem por parte dos primeiros monarcas portugueses, em resultado do auxílio militar prestado na Reconquista, obrigou à própria dispersão dos freires. De facto, a defesa das praças obrigava naturalmente à presença nesses locais de um contingente de cavaleiros da milícia, pelo que, logo desde os seus primórdios alguns freires foram afastados do convento central. Por outro lado, a necessidade de organizar o património que, sobretudo ao longo dos séculos XIII e XIV, a ordem foi adquirindo (nomeadamente através de doações, régias e de particulares, mas também de compras), levou à criação de comendas que se estendiam de Norte a Sul do País. À frente de cada um destes territórios, estava naturalmente, um comendador, que, segundo a regra, aí devia residir». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

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