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Novas leituras: cultura,
psicologia, mentalidade, vida quotidiana
«(…) Sugerindo
uma periodização diferenciada, Henri Marrou (1980) propõe-se a examinar o período
que envolve a passagem da Antiguidade à Medievalidade considerando questões também
ligadas à psicologia e à cultura, mostrando-se particularmente atento aos desenvolvimentos
estéticos como sinais importantes para a compreensão das singularidades de um
período no qual, além das transformações, as permanências não devem ser esquecidas
como importantes elos que conduzem a história. A sua organização cronológica delineia
um período entre os séculos III e VI, para o qual a fusão da cultura pagã com
os valores cristãos adquire um destaque particularmente significativo, ao lado
da afirmação de novas concepções religiosas e estéticas. Ao mesmo tempo, ao
encaminhar uma análise que considera as inovações, mas também está atenta para
as permanências, Marrou é um historiador importante no que se refere à
utilização de um novo conceito na periodização da história da civilização
ocidental: o de Antiguidade Tardia, conceito na verdade proveniente da
historiografia alemã das décadas de 1910 e 1920, mas que é aqui retomado com
especial expressividade.
Outros autores
reinvestiriam neste conceito, permitindo-se variar os limites inicial e final
deste período que passaria a ser reivindicado como território historiográfico
tanto pelos historiadores da Antiguidade como pelos historiadores da Idade
Média. As ideias de nomear este período limítrofe como Antiguidade Tardia
ou Idade Média Primitiva, caminham juntas, ambas com direito a legitimidade
no universo das possibilidades historiográficas. Conforme se olhe para o
período com vistas à compreensão dos desenvolvimentos terminais da Antiguidade,
ou com vistas à compreensão dos novos processos que mais tarde se consolidariam
como tipicamente medievais, teríamos uma possibilidade ou outra. O período limítrofe,
aqui considerado, pode se apresentar como disputa de território entre
historiadores da Antiguidade e da Idade Média, mas também pode apresentar-se
como espaço de diálogo, como lugar onde nativistas e medievalistas se encontram
para intercambiar as suas ideias e experiências. De todo o modo, a tendência da
historiografia a partir do século XX, conforme se vê, foi a de permitir múltiplas
leituras do fenómeno da passagem da Antiguidade à Medievalidade, aliás considerando
criticamente os limites espaciais e historiográficos destas expressões. De qualquer
modo, a multiplicação de leituras deste período limítrofe entre o que se
convencionou chamar de duas eras bem diferenciadas mostra-se interferida por
uma profusão de novas perspectivas que, na historiografia contemporânea,
introduzem uma miríade de novos campos históricos, como a história social, a
história económica, a história cultural, a história das mentalidades, a história
demográfica, bem como novas abordagens definidas por campos históricos que vão
da história serial à micro-história. Esse enriquecimento de novas perspectivas,
aliado à ideia de que a história desenvolve-se através de uma polifonia de temporalidades,
tem permitido aos historiadores contemporâneos perceberem, cada vez mais, que não
podem existir periodizações fixas e inflexíveis, já que os diversos problemas serem
examinados é que definem cada qual a sua periodização.
Novas leituras: história e complexidade
Vale
ainda lembrar que, no contexto dos mais estreitos diálogos interdisciplinares que
se vão desenvolvendo na historiografia contemporânea, entrar
em porto no âmbito teórico também têm permitido reequacionar a passagem da
Antiguidade à Medievalidade como fenómeno extremamente complexo. A ideia de que
teria ocorrido uma ruína ou desagregação do Império Romano em todos os seus níveis
de organização, e não apenas no âmbito político, com a consequente reorganização
de elementos para a constituição de um novo sistema, tem sido proposta também
por historiadores que buscam amparar as suas análises na teoria da complexidade.
Aborda-se, aqui, a possibilidade de considerar o Império Romano como um sistema
adaptativo complexo, que entra em crise quando seus diversos componentes estruturais
já não respondem com precisão e na mesma proporção ao princípio agregador do sistema».
In
José D’Assunção Barros, Papas, Imperadores e Hereses na Idade Média, Editora
Vozes, 2012, ISBN 978-853-264-454-1.
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