Rainha
que o povo amou.
Estefânia
de Hohenzollern-Sigmaringen (1837-1859)
«(…) Mendes dos Remédios, em
1903, num prefácio à edição de cartas de Pedro V, é o primeiro a referir-se ao
dispendioso e luxuosíssimo enxoval de dona Estefânia, que, aliás, tinha sido
descrito quando a rainha chegou a Portugal, mas que os biógrafos omitiram, por
certo para não contrariarem as qualidades de modéstia e simplicidade que lhe
exaltavam. Em 1922 Júlio Vilhena publicou a correspondência que dona Estefânia
manteve com a mãe, 50 cartas redigidas entre 6 de Maio de 1858 (em viagem para
Portugal) e 6 de Julho de 1859, dois dias antes de adoecer. Trouxe também a
público sete cartas que a princesa endereçara ao noivo. Vilhena, um ex-ministro
monárquico já então muito idoso, ficou fascinado pela alma pura, da jovem,
chegando a considerá-la a mais notável das rainhas, de Portugal. Fez
preceder a publicação de um estudo cuidadoso, onde tentou compreender a
personalidade de Estefânia, apontando características que até aí não eram
conhecidas, como o seu pragmatismo e capacidades de análise política. Júlio
Vilhena revela possuir sensibilidade e argúcia, mas, como não podia deixar de
ser, reflecte o pensamento do seu tempo, muito marcado por ideias feitas
relativamente às mulheres e ao que estas deveriam e desejavam ser. Foi também
este autor que em 1921 tornou conhecido um assunto que era sussurrado desde que
a rainha morrera, a única polémica que a sua vida suscitou: a possível
virgindade à data da morte.
Depois de 1922 pouco ou nada foi
acrescentado ao conhecimento historiográfico sobre dona Estefânia, nem ao nível
da informação factual, nem no plano da interpretação, apesar de tanto se haver
escrito sobre Pedro V. Mas com a publicação das cartas que este escreveu a
Alberto de Inglaterra, marido da rainha Vitória, e ao conde do Lavradio, editadas
por Ruben Andresen Leitão, e, mais recentemente, as do príncipe Alberto para o
rei de Portugal, publicadas por Maria Filomena Mónica, esclareceu-se
devidamente como surgiu o nome de Estefânia para rainha de Portugal e os
meandros do processo que culminou no casamento.
Não consegui localizar documentação
inédita produzida por dona Estefânia ou a ela respeitante. As suas cartas,
assim como as do marido, todas publicadas, serão, pois, a principal fonte deste
estudo que muito se irá socorrer das suas próprias palavras. Apesar disso, é
possível reapreciar a vida desta rainha e matizar a sua personalidade,
analisando a correspondência contínua, pormenorizada, franca e íntima que
dirigiu à mãe durante os meses que residiu em Portugal. Estes documentos
permitem chegar à vida privada e aos sentimentos, quase sempre inacessíveis aos
historiadores. Tem passado despercebida a ligação da família de dona Estefânia
aos Bonapartes, que será esclarecida. Quanto à apreciação da relação conjugal,
afasto-me da interpretação comum, pois não creio que Estefânia tenha sido
realmente feliz no seu casamento. Pedro, sim. Mas Pedro não era Estefânia.
Admito estar equivocada na minha leitura, embora, com as fontes actualmente
disponíveis, me pareça difícil chegar a outra conclusão. Aguardemos, contudo,
que um dia surja documentação inédita, nomeadamente em arquivos alemães.
A
família
Estefânia
Hohenzollern-Sigmaringen nasceu a 15 de Julho de 1837 em Krauchenwies, perto de
Sigmaringen, no actual estado alemão de Baden-Württemberg, no Sul da Alemanha.
De seu nome completo, Estefânia Frederica Guilhermina Antónia Hohenzollern-Sigmaringen,
pertencia ao ramo católico dos Hohenzollern, família reinante da Prússia, e sob
a qual a Alemanha será unificada. Mas quando Estefânia nasceu, a família Sigmaringen
era ainda soberana no seu principado homónimo que ficava encravado no reino de Würtremberg,
confinando a sul com o grão-ducado de Baden e cortado ao meio pelo de Hohenzollern-Hechingen.
Em 1806 o principado de
Sigmaringen integrou a Confederação do Reno, sob a protecção do imperador Napoleão
Bonaparte. Depois da derrocada deste, passou à Confederação Germânica, tutelada
pelo imperador da Áustria. Na luta pela hegemonia do espaço alemão entre a Casa
de Habsburgo, da Áustria, e a Casa de Hohenzollern, da Prússia, esta saiu vitoriosa
ao fim de um processo de vários decénios em que gradualmente foi incorporando os
estados germanófonos. O de Sigmaringen integrou-se na Prússia em 1849/1850, por
cessão e abdicação de Carlos António, pai de Estefânia, a favor do rei prussiano,
que se tornou chefe representante dos Hohenzollern. Em contrapartida, o chefe da
família Sigmaringen ficava com prerrogativas de segundo príncipe da Casa Real prussiana,
recebia uma pensão anual e conservava todos os seus bens. Depois, entre 1858 e 1862,
Carlos António Hohenzollern-Sigmaringen será ministro-presidente da Prússia». In
Maria Antónia Lopes, Rainha que o povo amou, Dona Estefânia de Hohenzollern,
Círculo de Leitores, 2011, ISBN 978-972-424-718-2.
Cortesia de CLeitores/JDACT