domingo, 22 de abril de 2018

Quatro Orações Camonianas. Aníbal Pinto Castro. «Macedo podia, pois, afirmar, sem receio de contradita, que os poetas são os melhores mestres da Lingua e aquelles a quem ella he mais devedora, nelles a devemos buscar como em fonte pura»

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Camões e a Língua Portuguesa
«(…) O autor pretendia nada menos que reformar a língua portuguesa, para o que, aliás, lhe não faltavam bons conhecimentos, sem embargo de curiosas fantasias. Pois, em seu entender, tal reforma só poderia fazer-se com êxito sob a égide e a autoridade linguística de Camões, porquanto, acentuava, entre todos os nossos escritores, nenhum havia a quem ela fosse mais devedora, e Os Lusíadas eram, para os poetas, para os prosadores e para os simples falantes alheios a pretensões estéticas, o melhor dicionário que se lhes podia aconselhar. Não se estranhe, por outro lado, que uma intenção tão explicitamente normativa e atenta ao simples uso coloquial da língua tomasse por paradigma um poeta. A ideia romântica (mas falsa) de que é o povo que faz a língua não ganhara ainda direito de cidade.
Macedo podia, pois, afirmar, sem receio de contradita, que os poetas são os melhores mestres da Lingua e aquelles a quem ella he mais devedora, nelles a devemos buscar como em fonte pura. E a sua função era dupla, pois não só a leitura continuada das suas obras propiciava uma aquisição mais completa e perfeita do sistema linguístico do português, como serviam de pedra de toque para aferir a qualidade da língua, isto é, o seu grau de pureza o vernaculismo em cada momento da sua evolução. Ao longo de toda a obra, vai a poesia camoniana, muitas vezes em confronto com a Gerusalemme Liberata, de Tasso, servir de guia e modelo para a renovação da língua portuguesa, considerada nos seus vários sistemas da criação lexical à ordem sintáctica.
Mas, para além de Macedo, quantos não recorreram a Camões para ensinar ou penetrar os segredos da língua, nos seus vários estilos? É Francisco Leitão Ferreira, que nas lições dadas, na Academia dos Anónimos, chamando-lhe grande, inimitável, judicioso, Corifeu da nossa poesia, sempre singular, príncipe dos épicos ou cisne canoro em toda a poesia, o toma para exemplo da transformação da significação própria dos vocábulos na sua significação metafórica e fundamenta no seu domínio da língua a perfeição e facilidade com que aplicara, na Épica como na Lírica, as regras da comparação (conferiu Camões estas ideias, acerca da teoria da comparação, e descobrindo hum fundamentos verisimil, para inferir a semelhança, lançou mão das cores, e pincel poetico, o com valentia de figuras, sublimidade de estylo, e magnificencia de palavras, atadas a sonoros e elegantes numeros, comparou a desesperação à tempestade... Segue-se, como ilustração, destas afirmações uma oitava da égloga IV, a rústica contenda desudada posta na boca do pastor Aliento, além de vários outros passos das Rimas e d’Os Lusíadas).
É Francisco José Freire que nas Reflexões sobre a língua portuguesa, escreveu:

tal foi Luís de Camões, honra imortal, não só da poesia, mas da linguagem portuguesa, porque assim na sua Epopeia, como em todas as demais obras poéticas, praticou uma admirável clareza, propriedade, elegância e energia de língua. Quem lê a Camões quase que lhe parece estar lendo um Poeta da idade presente pelo que diz respeito à pureza, e correcção da nossa gramática.

É Correia Garção que, em consonância com o pensamento da Arcádia, e para condenar os vícios da poesia de Francisco Pina Melo, o Corvo do Mondego desgarrado da ortodoxia observada pelos pastores do Ménalo, recomendava na Epístola I,

Se à sombra dos loureiros sempre verdes:
Usa da pura língua portuguesa
Que aprendido já tens no bom Ferreira
No Camões imortal, em Sousa e Barros»

In Aníbal Pinto Castro, Camões e a Língua Portuguesa, Quatro Orações Camonianas, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1980.

Cortesia de APHistória/JDACT