A
Gruta
«(…) O chefe mposi sentou-se
sozinho. Estava mal de saúde e dava a impressão de estar preocupado. Olhou para
o chão de adobe, apoiando a cabeça no punho do seu bastão. Com um movimento rápido,
mandou as suas mulheres servirem cerveja. Está ali parada e não está a servir de
nada para ninguém! Já estou a servir, ripostou a mais velha das mulheres,
erguendo o pote da cerveja com os braços musculosos. Tarde de mais, resmungou ele.
O pote de chibuku passou de mão em mão, da direita para a esquerda, sem manifestações
de pressa indelicada, como um decantador de Madeira após um jantar de professores
em Oxford. O silêncio foi quebrado pelo chefe a chamar pelo nome as quatro mulheres.
Eram singularmente diferentes umas das outras em idade, tamanho e beleza.
Responderam à vez, ajoelharam-se ao lado umas das outras e começaram a bater palmas.
Viraram-se de costas para o chefe, puseram-se em pé e acenderam velas, enquanto
outras mulheres começaram a ulular e a assobiar.
Um longo chifre de antílope foi introduzido
na cubata através da abertura e um som triunfal silenciou o som estridente das mulheres.
O homem que tocava o chifre era alto e bem constituído. Trazia uma saia feita de
fitas de pele preta e, à volta da cabeça, tinha uma fita de pele de leopardo. Era
o curandeiro. O seu nome era Sadiki, um dos nomes de clãs lembas,nome
inequivocamente semita cuja presença na África Central era uma misteriosa
anomalia. Foi ele que dirigiu a cerimónia. Tinha chocalhos magagada feitos
de abóboras-meninas secas presos aos tornozelos com correias de fibra de casca de
árvore. Bateu com os pés no chão de terra da cubata e soprou no chifre, produzindo
uma nota persistente. Quatro mulheres idosas que estavam sentadas juntas no banco
de adobe que circundava a cubata começaram a bater em tambores de madeira. O
resto dos convidados juntou-se atrás do curandeiro, impulsionados para os pequenos
movimentos vibrantes da dança pelos ritmos dos tambores e dos chocalhos magagada,
mal se mexendo, perdidos na concentração.
Sadiki estava no epicentro da tempestade
de som, dirigindo o seu movimento. Tinha um ar poderoso e magnificente e olhava
arrogantemente à sua volta. Mexeu sugestivamente um pé. Depois, uma mão. Seguiu-se
o corpo e, colocando-se em frente de um dos tambores, dançou, como David
perante a Arca, parando para soprar o chifre de carneiro semelhante ao shofar
em que outrora se soprara no Templo de Jerusalém. As tamborileiras pareciam idosas
e frágeis de mais para conseguir produzir um som daqueles e apesar disso haviam
de tocar tambor durante horas sem parar.
A cerveja começou a circular mais
depressa. A pobreza tinha-se apoderado da aldeia. Há muito tempo que não circulavam
com tanta liberalidade potes de cerveja. Alguns dos homens, já desabituados de beber,
começavam a estar inebriados. A mulher mais velha do chefe parecia já estar
possuída pelos espíritos dos antepassados. Olhando para um lado e para o outro,
caiu no chão a chorar. Olhando à sua volta com o olhar perdido, levantou o vestido
de estilo ocidental acima das nádegas gordas e marmóreas e acima da cabeça. Dançou
nua, colocando-se no espaço deixado vago por Sadiki em frente das tamborileiras.
O ritmo
acelerou-se outra vez. Sadiki, com o suor a escorrer-lhe pelo peito largo e musculoso,
pôs um toucado de penas de águia negra na cabeça da mulher nua. Sevias disse-me
que aquilo era para mostrar respeito aos antepassados. Ela continuou a dançar, projectando
grandes sombras nas paredes iluminadas por veias. Caiu de joelhos, a chorar
convulsivamente, à frente do velho chefe e colocou-lhe ternamente o toucado na cabeça».
In
Tudor Parfitt, A Arca Perdida da Aliança, 2006, Livros d’Hoje, Publicações dom
Quixote, 2008, ISBN 978-972-203-541-5.
Colecção de PdomQuixote/JDACT