domingo, 27 de setembro de 2020

A Conspiração Franciscana. John Sack. «E o ministro geral enterrou frei Leo com as devidas honras?, perguntou. Com certeza. Na basílica, ao lado dos companheiros. Dizem que é a melhor das honrarias»

Cortesia de wikipedia e jdact

O Grifo

Festa de São Remígio. 1 de Outubro de 1271

«(…) Conrad fechou a cara. Ele não é um frade que você devesse imitar. Porque não me conta o motivo que o fez vir até mim?, mirou de novo aqueles olhos escuros, que de repente se encheram de compaixão, quase chegando às lágrimas. Então e finalmente compreendeu. Frei Leo?, disse, respondendo à própria pergunta. Sim. Ele morreu em paz? Em paz, na mesma cabana em que São Francisco faleceu. Ele deve ter ficado contente por isso.

O eremita ajoelhou-se. Já esperava pela perda do amigo e mentor. Afinal, Leo vivera mais de oito décadas. Mesmo assim, sua morte era um golpe. Quem conseguiria compreender o plano divino? Leo suplicara para ser levado com seu mestre São Francisco, e ainda assim Deus o prendera à vida por mais meio século, trabalhando e escrevendo. O pequenino padre tinha sido enfermeiro pessoal do fundador, trocando os curativos e passando unguentos nas feridas que se abriram nas mãos, nos pés e no lado do corpo dele depois da terrível visão no monte La Verna. Leo também fora confessor e secretário do santo, virtualmente os cargos mais importantes da Ordem, caso estivesse interessado em poder. Mas Francisco escolheu seu companheiro justamente pela sua admirável simplicidade. Com mania de dar apelidos, ele rebaptizou Leo, o leão, de Fra Pecorello di Dio, Irmão Cordeirinho de Deus. Até os frades mais jovens, como Conrad, conheciam a famosa história da briga de Leo com Elias, depois da morte de Francisco, em que ele espatifara o grande vaso onde o ministro geral guardava as doações para a nova basílica. Elias mandou que o surrassem e o baniu de Assis por conta da sua rebeldia. Leo recolheu-se à obscuridade e começou a escrever pequenos tratados panfletários denunciando a falta de rigor e os abusos dentro da Ordem. Tornou-se a consciência dos frades, mencionando tanto os preceitos quanto o espírito de São Francisco como fontes de inspiração, e a facção Conventual o odiava por isso. Conrad ficou imaginando se frei Bonaventura, o último na linha de sucessores de Elias, teria passado por cima da antiga rixa.

E o ministro geral enterrou frei Leo com as devidas honras?, perguntou. Com certeza. Na basílica, ao lado dos companheiros. Dizem que é a melhor das honrarias. E era o que ele merecia, afirmou Conrad. Quando Conrad mexia a sopa, o menino retirou o capuz. Cabelos pretos cortados bem curtos desciam rectos até a ponta da orelha. Os olhos amendoados tinham a expressão de surpresa das corças, o que era acentuado pelas longas pestanas. A pele branca como leite das faces e têmporas brilhava tão translúcida que, mesmo sob a pouca claridade, Conrad conseguia acompanhar as veias. O sorriso era largo, o nariz longo e recto com narinas dilatadas. Um nariz nobre, pensou Conrad. Esse menino é bonito demais para estar vivendo com frades mais velhos, especialmente frades que seguiam o comportamento dos monges negros. Só Deus sabia qual dos abundantes vícios monásticos estariam imitando àquela altura.

Quando Conrad parou de mexer a comida, o menino enfiou a mão dentro do saco que deixara debaixo da mesa e retirou um pergaminho enrolado. O mestre do noviciado mandou que lhe entregasse esta carta. Frei Leo disse que era absolutamente indispensável que a recebesse logo após sua morte. O eremita desenrolou o manuscrito em pergaminho à luz do fogo. Leu-o varias vezes. O que diz?, Fabiano perguntou. Não está lacrado. Fico surpreso que você não o tenha lido. Seu mestre ainda não lhe ensinou as letras? Um pouco. Só consegui entender algumas das palavras. Pedi aos frades que encontrei pelo caminho que lessem para mim, mas só diziam que..., não tinha nada de interessante. Conrad revirou os olhos para o céu. Petulante, esse menino. E talvez perigoso, por ser tão ingénuo. Esses frades lhe disseram seus nomes?, perguntou. Não. Mas um deles era mais velho que o tempo, e o outro tinha o cabelo louro, se isso vale de alguma ajuda. Conrad franziu os lábios. Não ajuda em nada». In John Sack, A Conspiração Franciscana, 2005, Edição O Quinto Selo, 2006, ISBN 978-989-613-048-0.

Cortesia de EQuintoSelo/JDACT

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