«(…) Sentiu-se um vago rumor entre os trezentos membros da assembleia; Catão, quase sem notar que o seu longo exórdio já fatigava a atenção, prosseguiu: é esse direito, que hoje me traz aqui, apoiado pela própria consciência e pelo meu juramento. Eu bem sei que as atribuições dos Censores são constantemente diminuídas, e que virá tempo em que desaparecendo esta magistratura, irromperão as guerras civis. Deixemos o futuro, e perdoai as digressões próprias da provecta idade. Em gravíssimas circunstâncias, sabidas por nós todos, foi Sérvio Sulpício Galba mandado à Hispânia como Pretor. E se a situação difícil reclamava todas as virtudes militares para a majestade de Roma se manter ilesa, mais necessário era o espírito de uma inteligente política, para perpetuar por bons tratados o que a espada nem sempre conseguiu. Galba deu primeiramente uma prova deplorável de militar incompleto, quando invadindo a Lusitânia, perdeu sete mil e quinhentos legionários, indo refugiar-se numa situação ignóbil em Carmona. Destemido, mas inconsiderado, é este homem por isso perigoso para a República. E ainda mais: é de um carácter falso, violando com decoro a palavra de um Tribuno, que vale tanto como um tratado escrito, rebaixando perante o mundo o poder romano sempre inquebrantável, quando se trata de um dever moral. É certo que as trinta e seis cidades tributárias da Lusitânia, sempre irrequietas e lutando pela sua autonomia e independência local, também violaram o tratado concluído com Atílio, infestando as Colónias romanas, e as Cidades federadas e imunes, favorecidas com o regime municipal. Nesta angústia, em que Roma tinha de impor a sua autoridade, bem compreendera que já não devia empregar o sistema da devastação; mas Galba, desgraçadamente não compreendeu este pensamento governativo! Mandado à Hispânia, aí chegou com um exército cansado e exausto; em vez de limitar-se à defesa imediata dos súbditos romanos, encetou logo combates contra as tribos lusitanas, que nas suas embocadas contínuas, em assaltos repentinos o foram estafando e enfraquecendo até encontrarem o momento azado em que se atreveram a dar-lhe uma batalha campal, em que ficaram trucidados sete mil legionários. Os corajosos de Galba ficaram diminuídos perante a estupenda calamidade; Galba teve de colocar-se na defensiva, aproveitando a época das grandes invernias para se fechar cautelosamente nos quartéis de Conistorgis! As Águias romanas, como bem diria aí qualquer poeta satírico, estavam fechadas na capoeira. O Senado permaneceu imperturbável diante da ironia cáustica do orador, que continuou no mesmo espírito:
E de facto Galba, durante essa inação, chocava uma tremenda infâmia! Logo no princípio da Primavera do ano DCIII da fundação da Cidade eterna, que ficará afrontosamente assinalado nos Fastos Consulares, Galba pôs-se em marcha para a Lusitânia, devastando inconsideradamente Cidades imunes ou federadas, estipendiárias ou contributos daquela opulenta região, donde Roma tem haurido montanhas de prata. Esses povos da Lusitânia, embora tenazes e inquebrantáveis, pelo natural bom senso reconheceram que era melhor gozarem os privilégios que Roma lhes concedia, do que envolverem-se numa guerra interminável, que com certeza visaria à sua destruição. Resolveram mandar a Galba enviados com a declaração, que se confessavam arrependidos da revolta a que tinham sido arrastados, e prontos a cumprirem integralmente o tratado firmado com Atílio. A uma tal proposta, Galba manifestando-se benevolente, ele mesmo respondeu aos enviados das tribos lusitanas: que era o primeiro a reconhecer a força das circunstâncias, que os obrigara pela tremenda crise da fome e da miséria a quebrantarem a lei romana, e a entregarem-se por vezes a incursões e rapinas em lugares que gozavam quase os direitos da metrópole. Mas, em vez de tomar directamente a responsabilidade desses actos, e sabendo a causa íntima que os motiva, eu farei que finde a situação violenta das Cidades estipendiárias, acabando com os tributos pesadíssimos que as oneram, eximindo-as dos pagamentos às legiões romanas e às provisões de víveres fornecidos às tropas em passagem. Para se efectuar isto, passareis à categoria de Cidades municipais, com o vosso território livre, sem pagamento de tributos, com magistrados eleitos livremente, e fora da jurisdição do governador da Província.
Diante desta perspectiva, Galba, traiçoeiramente apontou as terras que lhes reservava, e que dividia em três cantões, e tratou de convocar para um determinado dia na margem direita do Tejo as tribos lusitanas, exigindo como prova da mútua confiança que se apresentassem desarmadas, para que em Roma se não dissesse, que a generosa concessão do Jus italicum era extorquida». In Teófilo Braga, (1843-1924), Viriato, 1904, Edições Zéfiro, 2009, ISBN 978-972-895-878-7.
Cortesia de EZéfiro/JDACT
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