segunda-feira, 28 de setembro de 2020

O Castelo. Luis Zueco. «Veneráveis clérigos, bispos embrulhados nas suas casulas púrpura e estolas douradas. Homens de armas, escudeiros, pajens e gente do povo…»

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Castelo de Xabier. Novembro do ano de 1027

«(…) Regressou para junto de Eneca e agarrou-a pelo braço. Voltou a ouvi-lo, estava mais perto. Olhou para a filha como só uma mãe pode fazer. A pequena não se parecia nada com ela, nem no físico nem na forma de ser. Mas era sua filha, sangue do seu sangue. Tirou a cruz que lhe pendia do pescoço e passou-a pela cabeça da menina. Eneca, sussurrou, nunca deixes que alguém ta tire, promete-me. Mãe... Promete!, exigiu Iguazel, sacudindo-a. Sim, mãe. Muito bem, minha filha. Lembras-te de quando vamos até à ponte do rio para nos despedirmos do teu pai? Sim, claro. Pois agora quero que vás até lá sozinha. Fá-lo-ás? Eneca assentiu com a cabeça. Isso mesmo, já és crescida, sei que és capaz. Nunca confies em ninguém. Mas...

Voltou a ouvir-se o relincho de um cavalo e gritos. Iguazel fitou-a com infinita tristeza, como seria capaz de se separar dela? Era tão pequena, tão frágil… e, ao mesmo tempo, conhecia a enorme força que transbordava dos seus jovens olhos. Tinha de o fazer, estavam perto e sabia já o que aconteceria caso apanhassem a filha. Vai e não pares. Uma vez na ponte, espera que eu chegue. Promete. Prometo, mãe. E deu-lhe um beijo na testa. Agora corre, vamos!

A mãe ficou de pé junto ao rio, enquanto a rapariga seguia o leito. Pegou numa pedra e agachou-se atrás do tronco de uma grossa árvore. Naquela penumbra espessa, apenas distinguia sombras, viu então como alguns ramos se moviam diante dela. A menina parou ao ouvir o relinchar de um cavalo. Virou-se para onde acabara de se despedir da mãe e descobriu-a escondida atrás dos arbustos. O cavaleiro desmontou e desembainhou a espada, cuja lâmina curva cortou a noite com um silvo. O sarraceno deu um par de passos, deixando a mãe de Eneca atrás de si. E então, o olhar do infiel atravessou a penumbra até descobrir Eneca ao longe, eram os olhos de sangue. A mãe surgiu de entre as sombras e atingiu-o na cabeça, derrubando-o. Corre, Eneca! Corre! O muçulmano ergueu-se com o rosto ensanguentado, esquivou-se ao golpe seguinte da mulher e agarrou-a pelo pescoço só com uma mão. Ela olhou para o lugar onde vira Eneca e sorriu de alívio ao verificar que a filha já não se encontrava ali.

Pamplona. 22 de Novembro do ano de 1027

Naquela manhã, o mercado fervilhava, repleto, tendo ali acorrido comerciantes de todos os lugares do reino. Traziam vinho do Norte do condado de Castela, jóias recém-chegadas das terras de Leão, cerâmicas de Astorga, tecidos de Haro e Nájera, doces de Palencia, calçado de Carrión, peixe de Laredo e Santillana, queijo do vale de Baztán, madeira talhada de Garay e as melhores peles curtidas em Boltaña e em Jaca.

As ruas da cidade estavam adornadas com pendões de todas as casas vassalas do rei. Um fervedouro de gentes variegadas, cavaleiros adornados com os melhores trajes, damas ataviadas com as suas ricas jóias, abundantes comitivas, vistosos cortejos, senhores de todos os castelos do reino, gentis embaixadas dos condados de Castela, Aragão, Sobrarbe e Ribagorça. Veneráveis clérigos, bispos embrulhados nas suas casulas púrpura e estolas douradas. Homens de armas, escudeiros, pajens e gente do povo que se esforçava por ver os seus senhores. Todos sabiam da chegada a Pamplona do mais ilustre da nobreza do reino. Há vários anos que o rei Sancho, o terceiro de seu nome, chamado por muitos Sancho, o Maior, por estar a sua grandeza acima de qualquer outro ilustre monarca, costumava celebrar a festividade de Santa Cecília em Pamplona. A corte era itinerante, por isso, apesar de ser a capital do reino, as estadas da família na cidade eram escassas e, quando aconteciam, não havia vassalo que não acorresse aos festejos». In Luis Zueco, O Castelo, 2015, Alma dos Livros, 2020, ISBN 978-989-899-914-0.

Cortesia de AdosLivros/JDACT

JDACT, O Castelo, História, Século XI, Idade Média,