terça-feira, 29 de setembro de 2020

Luis Zueco. O Castelo. «Era o segundo filho, mais de uma vez o pai o quisera mandar para monge. Mas Lope Ferrech não fora feito para vestir o hábito. Era teimoso como uma mula e desde jovem que se empenhara em demonstrar à família…»

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Pamplona. 22 de Novembro do ano de 1027

«(…) Lope Ferrech participava pela primeira vez naquele compromisso anual; não pertencia à alta nobreza, por enquanto. O pai deixara-lhe um reduzido território na serra de Leyre, não muito extenso nem rico. Mas suficiente para poder assistir aos mesmos banquetes que os grandes do reino, ainda que nunca dar-se com eles. Ao pai, custara-lhe uma vida conseguir aquelas terras, agora cabia-lhe tirar proveito delas. Desmontou ao entrar no faustoso pátio de armas do castelo e deixou a montada com o escudeiro, um robusto homem de queixo quadrado e costas largas como as de um urso. Fiel e obediente, tranquilo e calado, mas também feroz e sanguinário em combate. Sozinho, acabara com quatro homens de armas na passagem de Biniés, perto do caminho que levava a Santiago, quando sofreram uma emboscada às mãos de foragidos. Às vezes, não era claro quem eram os piores inimigos, se os sarracenos ou os cristãos que ansiavam por obter um saque a qualquer preço. Quem infringia as leis de Deus só podia receber a morte como castigo. No entanto, havia sempre deserdados e mortos de fome que ousavam atacar um senhor, por mais que isso significasse o inferno eterno. Dirigiu-se ao pavilhão ocidental, onde uma comitiva de músicos dava as boas-vindas aos nobres. Estavam presentes os escudos de armas de todas as casas: leões, castelos, caldeirões e outros emblemas que nunca vira impressionaram-no a ponto de o fazer duvidar se tinha lugar ali.

Se ele, infanção do Norte, era digno de partilhar aposentos com tão ilustre senhorio. Lembrou-se do pai, que lutara sem descanso para que um dia o filho estivesse ali. Sim, possivelmente era o senhor da casa com menos terras e bens da corte do rei Sancho, o Maior. Sim, a sua família não contava com gerações de cavaleiros. Mas fora convidado para a recepção real por direito, ninguém lhes oferecera nada, pelo contrário. Por mais de uma vez, o pai tivera de enfrentar senhores e também quem de senhor pouco tivesse. E, sem outro remédio, de cruzar com eles o seu aço, pois nesta vida são muitos os que te pisam do alto quando te veem chegar ao cimo, mas poucos os que te empurram para cima a fim de realizares os teus sonhos.

Os feitos e esforços do progenitor davam-lhe a possibilidade de talvez, um dia, ostentar um título maior. Isso dependia da sua espada e, sobretudo, da astúcia. Ele não fora educado para isso. Era o segundo filho, mais de uma vez o pai o quisera mandar para monge. Mas Lope Ferrech não fora feito para vestir o hábito. Era teimoso como uma mula e desde jovem que se empenhara em demonstrar à família que segurava melhor uma espada do que um crucifixo. Herdara o título do antepassado porque o primogénito, o irmão Antón, encontrara a morte durante uma razia dos muçulmanos do reino de Saraqusta. Com a queda do califado, o rei de Pamplona tentou fazer avançar a fronteira, mas nada foi conseguido, além de verter sangue cristão». In Luis Zueco, O Castelo, 2015, Alma dos Livros, 2020, ISBN 978-989-899-914-0.

Cortesia de AdosLivros/JDACT

JDACT, O Castelo, História, Século XI, Idade Média,