Copenhague. Domingo, 23 de Dezembro
0h43min
«(…) O que significava que havia
alguém ali. Esticou o braço por baixo da cama, encontrando a mochila que
mantinha de prontidão nos seus dias de Magellan Billet. Dentro dela, a mão
direita agarrou a Beretta, a mesma da Cidade do México, já carregada. Outro
hábito do qual, felizmente, não havia se livrado. Saiu do quarto lentamente. O
apartamento, no quarto andar, tinha menos de 100 metros quadrados. Além do quarto,
havia uma cozinha, um escritório, um banheiro e vários armários. As luzes
estavam acesas no escritório, onde o vão da entrada abria-se em direcção à escada.
A livraria ocupava todo o andar térreo e o segundo e o terceiro andares eram
destinados aos escritórios e ao armazém. Encontrou o vão da porta e abraçou o
batente interno. Avançara silenciosamente, a passos leves, os sapatos
movendo-se sobre as passadeiras. Vestia as mesmas roupas do dia anterior. Na
noite passada, trabalhara até tarde, após um sábado movimentado antes do Natal.
Era bom ser livreiro novamente. Supostamente, sua actual profissão. Então, por
que estava de arma em punho no meio da noite, com todos os sentidos a lhe
dizerem que o perigo estava próximo? Arriscou um olhar através da entrada. As
escadas levavam a uma plataforma e, em seguida, inclinavam-se num ângulo
descendente. Apagara as luzes antes de subir, e não havia interruptores
paralelos. Amaldiçoava-se por não os ter colocado durante a reforma. Uma coisa
que havia sido acrescentada, porém, era um corrimão de metal que contornava a
extremidade externa das escadas. Deixou o apartamento e escorregou pelo
corrimão, aterrando na plataforma seguinte. Não seria prudente descer pelos
degraus de madeira e, com os rangidos, anunciar a sua aproximação. Com cautela,
olhou para o vazio abaixo dele. Escuro e silencioso. Deslizou até à base
seguinte e encontrou uma posição de onde poderia espionar o terceiro andar. As
luzes cor de âmbar da Hojbro Plads vazavam através das janelas frontais do
edifício, formando um halo alaranjado que iluminava o espaço além do vão de entrada.
Era ali que mantinha o stock, caixas de livros trazidas por pessoas que
as arrastavam para dentro. Compre por cêntimos, venda por euros. Era assim o
negócio de livros usados. Haja assim e fará dinheiro. Melhor ainda, às vezes,
era possível encontrar verdadeiros tesouros dentro daquelas caixas. Esses eram
guardados no segundo andar, numa sala fechada. Portanto, a não ser que alguém
tivesse forçado aquela porta, quem quer que estivesse ali fugira para o
terceiro andar, que estava aberto. Escorregou pelo último corrimão e
posicionou-se do lado externo do vão da entrada do terceiro andar. O aposento
adiante, de cerca de 12 por 6 metros, estava abarrotado de pilhas de caixas de
vários metros de altura. O que você quer?, perguntou, com as costas
pressionadas contra a parede externa.
Perguntava-se se tinha sido
apenas o sonho que o pusera em alerta. Doze anos como agente do Departamento de
Justiça dos Estados Unidos com certeza haviam deixado marcas paranóicas na sua
personalidade, e as duas últimas semanas lhe pesaram, um peso pelo qual não
esperava, mas que tinha aceitado como o preço pela verdade. Vamos fazer o
seguinte, disse: vou voltar lá para cima. Seja você quem for, se deseja algo,
suba também. Senão, faça o favor de sair da minha loja! Silêncio.
Caminhou em direcção às escadas. Vim
ver você, disse uma voz masculina, de dentro da sala do stock. Deteve-se e
reparou nas nuances daquela voz. Jovem. Vinte e tantos anos, ou 30 e poucos.
Americana, com traços de um sotaque. E calma. Prática. E por isso invadiu a
minha loja? Tive que fazer isso, A voz estava próxima agora, ali, no outro lado
da entrada. Afastou-se da parede e apontou a arma, esperando que seu
interlocutor se revelasse. Uma figura sombria surgiu no vão da entrada. Altura mediana, magro, vestindo um casaco que
ia até a cintura. Cabelos curtos. Mãos ao longo do corpo, vazias. O rosto
oculto pela noite. Manteve a arma apontada e disse: nome? Sam Collins. O que quer?
Henrik Thorvaldsen está metido numa encrenca. Outra novidade? Há gente a
caminho para matá-lo. Quem? Temos que ir até ele. Continuou com a arma em
punho, dedo no gatilho. Derrubaria Collins se ele se movesse 1 milímetro. Mas
tinha um pressentimento, do tipo que agentes adquirem à custa de duras
experiências, que lhe dizia que o rapaz não estava mentindo. Quem? Precisamos
ir até ele. De baixo, veio o barulho de vidro se quebrando. Mais uma coisa,
disse Collins. Essas pessoas. Estão atrás de mim, também.
Bastia. Córsega
Graham Ashby estava no alto da Place
du Dujon, admirando o porto tranquilo. Ao redor, casas com fachadas gastas em
tons pastel amontoavam-se como caixotes entre igrejas, as estruturas antigas ofuscadas
pela torre de pedras lisas onde se havia instalado. O seu iate, Archimedes,
estava ancorado a 500 metros, no antigo porto. Admirou a silhueta esbelta e
iluminada, em contraste com as águas prateadas. A segunda noite do Inverno
havia trazido do norte um vento frio e seco que varria toda a extensão de Bastia.
O peso da quietude típica dos feriados tomava conta do ar, o Natal seria dali a
dois dias, mas isso pouco o interessava. O Terra Nova, anteriormente centro das
actividades militares e administrativas de Bastia, tornara-se um quarteirão
afluente, com apartamentos grandiosos e lojas modernas se alinhando num
labirinto de ruas de pedra. Alguns anos antes, quase investira nesse
crescimento súbito, mas fora contra a ideia. Bens imóveis, principalmente ao
longo da costa mediterrânea, já não tinham tanto retorno como antigamente». In
Steve Berry, Vingança em Paris, 2011, Livros d’Hoje, 2012, ISBN
978-972-204-916-0.
Cortesia de Ld’Hoje/JDACT
JDACT, Steve Berry, Literatura,