Paris
«(…)
Igualmente a vossa pedra tem necessidade de alimento
para aumentar o seu poder e esse alimento deve ser gradual, mudado em certo
momento. Dai-lhe primeiro leite; seguir-se-á o regime carnívoro, mais
substancial. E não vos esqueçais, após cada digestão, de separar os excrementos
porque a vossa pedra poderia ser infectada por eles... Segui, portanto, a
natureza e obedecei-lhe o mais fielmente que vos for possível. E compreendereis
de que maneira convém efetuar a cocção quando tiverdes adquirido perfeito
conhecimento do Regime. Assim, apreendereis melhor a apóstrofe que Tollius dirige aos
assopradores, escravos da letra:
Ide-vos, retirai-vos, vós que procurais com aplicação extrema as diversas cores nos vossos vasos de vidro. Vós que me fatigais os ouvidos com o vosso negro corvo, sois tão loucos como aquele homem da Antiguidade que tinha por hábito aplaudir no teatro, embora lá estivesse sozinho, porque imaginava sempre ter diante de si algum espectáculo novo. Assim sois vós quando, chorando de alegria, imaginais ver nos vossos vasos a vossa branca pomba, a vossa águia amarela e o vosso faisão vermelho! Ide-vos, digo-vos eu, e retirai-vos para longe de mim, se buscais a pedra filosofal numa coisa fixa; porque ela não penetrará mais os corpos metálicos do que o faria o corpo de um homem nas muralhas mais sólidas... Eis o que tenho a dizer-vos das cores, para que no futuro deixeis os vossos trabalhos inúteis; acrescentarei uma palavra a respeito do odor. A Terra é negra, a Água é branca; o ar, quanto mais próximo do Sol, mais amarelece; o éter é completamente vermelho. A morte, como se diz, é igualmente negra, a vida é cheia de luz; quanto mais pura é a luz mais se aproxima da natureza angélica e os anjos são puros espíritos de fogo. Ora bem, acaso o cheiro de um morto ou de um cadáver não será fastidioso e desagradável ao olfato? Da mesma maneira o odor fétido, para os Filósofos, denota a fixação; pelo contrário o odor agradável assinala a volatilidade, porque aproxima da vida e do calor.
Voltando à parte mais baixa de Notre-Dame, encontraremos em sexto lugar a Filosofia, cujo disco tem gravada uma cruz. É a expressão do carácter quaternário dos elementos e a manifestação dos dois princípios metálicos, sol e lua, esta martelada, ou enxofre e mercúrio, parentes da pedra, segundo Hermes.
Os motivos que ornamentam o lado
direito são de leitura mais ingrata; enegrecidos e corroídos, devem sobretudo a
sua deterioração à orientação desta parte do pórtico. Varridos pelos ventos de
oeste, sete séculos de rajadas desgastaram-nos ao ponto de reduzir alguns deles
ao estado de silhuetas rombas e vagas. No sétimo baixo-relevo dessa série, o
primeiro à direita, notamos o corte longitudinal do Athanor e o aparelho
interno destinado a suportar o ovo filosófico; na mão direita, o personagem tem
uma pedra. É um grifo que vemos inscrito no círculo seguinte. O monstro
mitológico, cujos peito e cabeça são os da águia e que copia do leão o resto do corpo, inicia o investigador nas qualidades
contrárias que necessariamente se devem reunir na matéria filosofal. Encontramos
nessa imagem o hieróglifo da primeira
conjunção, a qual só se opera a pouco e pouco, à medida que se
desenrola este labor penoso e fastidioso que os Filósofos chamaram as suas águias. A série de operações
cujo conjunto conduz à união íntima do enxofre e do mercúrio tem também o nome
de Sublimação. É pela
reiteração das Águias ou
Sublimações filosóficas que o mercúrio exaltado se despoja
das suas partes grosseiras e terrestres, da sua humidade supérflua e se apodera
de uma porção do corpo fixo que dissolve, absorve e assimila. Fazer voar a águia, segundo a
expressão hermética, é fazer sair à luz
do túmulo e trazê-la à superfície, o que é próprio de toda a
verdadeira sublimação. É
o que nos ensina a fábula de Teseu e de Ariana. Neste caso, Teseu é a luz organizada, manifestada, que se
separa de Ariana, a aranha
que está no centro da sua teia, o calhau,
a casca vazia, o casulo, os despojos da borboleta (Psique).
Sabei, meu irmão, escreve Filaleto, que a preparação exacta das Águias voadoras é o primeiro grau da perfeição e para conhecê-lo é necessário um génio industrioso e hábil... Para atingi-lo, muito suamos e trabalhamos; passamos até noites sem dormir. Assim, vós que começais agora, persuadi-vos de que não tereis sucesso na primeira operação sem um grande trabalho... Compreendei então, meu irmão, o que dizem os Sábios, ao sublinhar que conduzem as suas águias para devorarem o leão, e quanto menos se empregam as águias mais rude é o combate e mais dificuldades se encontram para alcançar a vitória. Mas para aperfeiçoarmos a nossa Obra necessitamos, pelo menos, de sete águias, e deveria mesmo empregar-se até nove. E o nosso Mercúrio filosófico é o pássaro de Hermes a quem se dá também o nome de Ganso ou de Cisne e algumas vezes o de Faisão.
In Fulcanelli, 1926, Le Mystère des Cathédrales, 1964, O Mistério das Catedrais, Interpretação Esotérica dos símbolos herméticos, Edições 70, 1975, Lisboa, Colecção Esfinge.
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JDACT, Fulcanelli, Catedral, Esoterismo, Cultura e Conhecimento,