A Chegada da Inquisição (maldita) 1490-1491
Zarita
«(…)
Se, por um lado, meu pai, o magistrado, era respeitado na cidade de Las
Conchas, por outro, minha mãe fora amada. As pessoas foram para as sacadas das
casas para ver a carruagem fúnebre, puxada por quatro cavalos negros
emplumados, seguir o seu imponente caminho pelas ruas, e jogaram pétalas de
flores quando o cortejo passou em baixo delas. Além de ser conhecida por seus actos
de caridade, a mãe ajudara a fundar um hospital para cuidar dos destituídos;
ali, sua irmã mais nova, minha tia Beatriz, fundara uma ordem de enfermeiras
religiosas. Completamente veladas, com os capelos de seus hábitos puxados para
baixo, as freiras se posicionaram diante do prédio a fim de assistir ao cortejo
fúnebre, e muitos dos pobres se enfileiraram em ambos os lados do caminho de terra
que levava ao cemitério na colina acima da cidade. Os amigos de negócio do meu
pai compareceram, assim como uma pequena parte da nobreza local. Embora fosse
rico, meu pai não tinha sangue nobre, mas era respeitado pelos lordes e pelos dons,
que sabiam que ele fazia cumprir as leis que os mantinham em segurança. O
túmulo da família tinha sido aberto, e o padre Andrés, paramentado de preto, esperava
junto ao portão do cemitério. Estava acompanhado de uma dúzia de acólitos que
usavam sobrepelizes brancas sobre sotainas pretas e seguravam compridas velas grossas
de cera maciça de abelha. Eu ouvira meu pai ordenar ao administrador da nossa
fazenda, Garci Díaz, que mandasse fazer aquelas velas especialmente para a ocasião.
Não poupe despesas, ordenara. Quero o melhor para minha esposa e meu filho. A
voz de pai falhara nesta última palavra, e Garci havia estendido sua mão a ele,
mas a havia recolhido antes de tocá-lo.
Agora o condutor da carruagem fúnebre
puxou as rédeas para parar os cavalos, e o padre veio ao nosso encontro. E, de
repente, tudo se tornou real para mim. Eu tinha passado os últimos dias chorando
e soluçando através do que parecia um terrível pesadelo, mas, ao ver os homens
erguerem o caixão de madeira que continha os corpos de mãe e do meu irmão recém-nascido,
fui arrebatada pela emoção em toda a sua força. O sol ofuscante penetrou a
renda negra de minha mantilha e crestou minha visão. Era tudo verdade; não se
tratava de um sonho do qual eu acordaria. Minha mãe seria colocada naquele
lugar frio e escuro, e não voltaria para casa, para nós. Os cavalos mudaram de
posição e os seus arreios e tirantes tiniram. O padre Andrés começou a entoar
as preces pelos mortos: das profundezas, eu clamo a ti, Ó Senhor. Senhor,
escuta a minha voz. Ele liderou a procissão. Os homens com a sua carga o
seguiram, depois a família e os amigos. Eu mal conseguia mexer-me. Minha velha
ama de leite, Ardelia, colocou o braço em volta de minha cintura para me
apoiar. Ela chorava copiosamente, pois também fora ama de leite de minha mãe e
a amava, assim como todos que a conheceram. Seus estremecidos soluços
reverberavam através de mim. Lágrimas escorreram novamente de meus olhos.
Havia anos, quando foi nomeado
magistrado, meu pai mandou erigir a nossa cripta funerária com colunas, estátuas
e os elegantes adornos que achou de acordo com a sua nova posição. Naquele
momento ele parecia ter sido esculpido no mesmo mármore frio, e meu coração
gelou quando vi o seu rosto. Ele me dirigira menos do que uma dúzia de palavras
desde a morte de minha mãe. Ardelia tentara explicar: não se aflija por causa
dos modos de seu pai, dissera-me ela. É compreensível que ele haja dessa
maneira. Você se parece tanto com sua mãe que olhá-la deve partir seu coração. Nos
meus pensamentos mais sombrios eu me afligia por isso. Se eu fosse homem, pai
teria ficado tão agoniado? Prantearia seu há muito desejado filho homem mais do
que o fez por minha mãe? Ele não me demonstrara qualquer sinal de compaixão que
me ajudasse a suportar minha perda. Naquela primeira noite após mãe ter falecido, fui-me ajoelhar junto à sua
cadeira, como costumava fazer à noite, quando ele afagava o meu cabelo e
conversava comigo. Eu pretendia compartilhar meus pensamentos com ele; talvez
falássemos de mãe e consolássemos um ao outro». In Theresa Breslin, Prisioneira
da Inquisição, 2010, Galera Record, 2014-2015, ISBN 978-850-110-256-0.
Cortesia de GRecord/JDACT
JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Espanha,