«(…) Fora Monsieur Breton quem empreendera a grande transformação do
Hotel du Cheval Blanc, Nous sommes là depuis le XVI siècle, Monsieur!,
neste edifício moderno e vasto que o recebia; mas a sua minuciosa história ficava
reservada para depois, ele estava de antemão certo disso, com uma curiosidade
benevolente que Monsieur Grasset lhe despertara, em Dinan. Subiu ao primeiro andar,
a instalar-se num quarto confortável, com um leito de alcova, um jogo de fauteuils capitonnés, uma cómoda Louis-Philippe
de madeira clara, bem polida, reposteiros, uma secretária virada a uma das duas
janelas da rua, e, para sua agradável surpresa, um gabinete de toilette, com um tub de zinco, que seria certamente raro, então, na hotelaria de uma
cidade do interior francês. Foi Monsieur Breton quem fez as honras da casa,
precedendo-o na escadaria bem lançada, e dando ordens mudas ao criado que subia
a bagagem. Il espérait que..., E foi ele próprio quem lhe entregou uma
carta que Monsieur Grasset viera deixar-lhe nessa manhã. E ele próprio também
recebia ordens para um souper que lhe
ia ser servido na sala de jantar, preferia o hóspede: Quelque chose de
légerr; e aceirou a proposta de un bouillon de poule, viandes froides,
une compote de fruits porque tinha fome e o vago almoço comido no restaurante
da gare de Nantes não lhe agradara, abordado com desconfiança.
Ali, porém, e como poucas vezes lhe acontecia, ele sentia-se pronto a
aceitar as sugestões que o proprietário transmitiu ao maître d hotel que
subira também ao quarto, a receber ordens. Os vinhos... On verra cela après,
disse ele sorrindo, e prometeu descer dentro de meia hora. Antes, havia que
desfazer o estojo dos instrumentos de toilette
que alinhou cuidadosamente, em ordem, sobre a cómoda, as escovas de prata
dispostas lado a lado, os cabos todos da mesma banda. Despiu a sobrecasaca de
viagem, de abas amplas, pousou o chapéu de feltro cinzento, e deixou-se cair
num dos fauteuils com um suspiro de
alívio, desabotoando o colete e palpando discretamente o ventre. Os water-closets, havia dois no andar, eram
ao fundo do corredor, como fora informado com um aceno delicado do proprietário.
Levantou-se depois, a fazer um pouco de toilette,
e apreciando o depósito da água de cerâmica de Rouen, pendurado sobre o
lavatório, com um grande jarro que permitia servir o tub, temperando-lhe a água quente que o criado subiria a pedido, na
manhã seguinte, pensou ele. Mas não resistiu a abrir a janela de sacada sobre a
rua, assomando no ar tépido, já ao cair do dia, quando se alumiavam os
candeeiros de gás. Quase ninguém passava na Rue Saint-Aubin àquela hora e os
contrafortes da cabeceira da catedral apareciam-lhe no escuro, debruçando-se
para a esquerda.
Antes de descer, abriu a pasta e colocou metodicamente sobre a mesa um grande
envelope de manuscrito e um monte de folhas de papel. Havia um tinteiro e um
mata-borrão com armações de metal branco, uma grande pasta pirogravada, uma
papeleira com papel de cartas e sobrescritos com en-tête do hotel,
reproduzindo a longa fachada e datas prestigiosas da história de Angers e mesmo
da França, antiga e moderna.
Henry James não lhe parecia ter muita razão nas
suas impressões de viagem; teria ele descido no Hotel do Cheval Blanc no seu tour recente? Seria curioso verificá-lo
nos registos de Monsieur Breton. Dispôs ainda a caixa dos aparos ingleses, de
Birmingham, os melhores, a que estava habituado e que trazia sempre em viagem,
como se fosse pôr-se a escrever, mas olhou o relógio que tirou do bolso do
colete: era hora de descer, na sua pontualidade de bons hábitos. Ao menos
ali... Puxou as bandas da sobrecasaca estrita que vestira e consertou o
monóculo». In José Augusto França, A Bela Angevina, Editorial Presença, Lisboa,
2005, ISBN 972-23-3359-3.
Cortesia de Presença/JDACT