Os Amores de Pedro I e D. Inês de Castro
Os factos históricos
«Baseando-nos nos dados disponíveis, procurámos dar neste texto a
versão mais provável deste caso de amor, paixão, morte e vingança, que envolveu
realezas medievais peninsulares, e foi depois tema de lendas, poemas e outras
obras literárias ao longo dos séculos, e também tema de peças de teatro,
óperas, bailados e até filmes. Apoiámo-nos nas versões dos cronistas Fernão
Lopes, Rui de Pina e Lopez Ayala, transcrevendo muitas vezes
algumas das suas frases, actualizando-lhe as palavras, a fim de dar maior
fidelidade ao texto. Fazemos ao mesmo tempo uma análise do contexto em que toda
a trama se desenvolve, buscando no triste e conturbado reinado de Pedro I de
Castela, contemporâneo destes amores, as razões que conduziram à terrível
decisão política do Governo Português da época de mandar executar D. Inês de
Castro.
Portugal no século XIV
A história da nossa Idade Média é difícil de escrever, impossível de
aprofundar por falta de documentos, enquanto que a distância de séculos e as diferenças
entre os nossos conceitos e as maneiras de ver medievais embaraçam as nossas análises
e toldam-nos a visão desses acontecimentos remotos. Era uma época em que todos,
desde o rei ao mais mesquinho plebeu, se regiam por ideias e concepções
diversas das nossas, algumas quase estranhas, e havia hábitos que hoje nos
parecem bizarros. À fé religiosa cheia de fervor desses tempos, contrapunha-se
uma liberdade de costumes e um largo número de superstições, que hoje nos
intrigam e espantam.
Havia nas cortes dos reis astrólogos bem reputados que determinavam
quais os melhores dias para decidir negócios de Estado e outros assuntos, até as
datas mais propícias para casamentos reais. Bruxas e feitiçarias eram dados
aceites, e acreditava-se que as epidemias, as pestilências, eram castigos divinos
destinados a punir duramente os pecados dos povos. A Terra era tida pela grande
maioria das gentes como incontestavelmente plana, e seria à volta dela que o
Sol e as estrelas rodopiavam nos céus. Quem se atrevesse a contradizer um facto
tão evidente era, pelo menos, tolo.
O rei governava como se tivesse um mandato de Deus para o fazer. Uma
tal atitude não era tida pelos povos como uma expressão de formalismo
tradicional, mas tratava-se sim de uma realidade indiscutível. Em documentos
oficiais Afonso IV o pai do infante Pedro (infante e infanta eram os títulos
de filhos e filhas dos reis peninsulares; em Portugal, só no seculo XV se
começou a chamar príncipe ao infante herdeiro do trono; foi Afonso V o primeiro
infante da Casa Real Portuguesa a usar o título de príncipe) e um dos
protagonistas desta história, é tratado como muito alto, nobre e poderoso
senhor rei, o que dá ideia da posição que ele assumia como monarca.
Portugal na segunda metade do século XV mantinha-se equilibrado
política e socialmente, havia já dois séculos. Apesar de guerras civis, lutas
com Leão e Castela e ainda as conflituosas conquistas aos mouros, era um país
com a estabilidade possível na época, um país que se bastava a si próprio,
considerado um aliado vantajoso por qualquer um dos outros reinos peninsulares.
A corte era muito civilizada e os reis tinham uma boa tradição, tanto no
governo como a legislar. O avô do infante Pedro, o herói deste caso amoroso, fora
o rei Dinis, um monarca inteligente e culto que, para lá de praticar uma excelente
governação, fora poeta de mérito nos seus lazeres.
A esposa deste rei Dinis, D. Isabel, uma princesa de Aragão, devido às
suas virtudes e até milagres feitos em vida e depois de morta, foi considerada
Santa pela Igreja Católica. O seu corpo repousa hoje, incorrupto, no Convento
de Santa Clara em Coimbra, cidade de que é padroeira e onde continua a
ser venerada. Politicamente Portugal, no século XIV, já dispunha de um sistema
judicial eficaz e bem organizado para a época, com juízes isentos e um corpo de
leis, embora as decisões mais sérias viessem sempre a cair sobre os ombros do
rei, que em última instância seria juiz supremo do reino». In Luís de Camões, Linda Inês, O
Episódio Inesiano n’ Os Lusíadas, História de um Amor Fatídico, Introdução e
Paráfrase de Jorge Tavares, Mel Editores, 2009, ISBN 978-989-635-069-7.
Cortesia de Mel Editores/JDACT