Escândalo necessário
«Pelo contrário, os originais, os espontâneos, os
não conformistas, os inflexíveis perante as humilhações, os lineares e
indomáveis capazes de desmascarar compromissos sibilinos e condicionamentos
opressivos, oportunismos indignos e servilismos despropositados, ficam, por
vezes, isolados, são progressivamente marginalizados, e depois descredibilizados,
expulsos, suspeitos e escarnecidos, obrigados a sofrer incríveis frustrações
com origem em atoardas e insinuações gravosas cozinhadas nas suas costas. Esta
categoria de pessoas dotadas de firme inflexibilidade desmente o provérbio
chinês que diz:
- Quando sopra o vento todas as canas devem dobrar-se por sua vez.
Profissionais dos melhores, a sua permanência é já
uma condenação em acto, engolidos no anonimato de um campo de trabalhos
forçados, no abismo do silêncio. Uma coisa é tentar fazer a leitura de tudo
isto e outra é vivê-lo, dia-a-dia, na própria pele. Muitos juízes severos,
rasgando as vestes, apontarão o dedo acusador, indignados, espantados,
desgostosos, hostis contra quem optou por esta forma de informação e reflexão
por eles considerada dessacralizante. De nariz encrespado, dizem que teriam
procedido com maior moderação em função dos compromissos com quem toca o sino.
Quando a crítica em surdina se transforma em protesto corajoso, salta a mola do
aparelho defensivo da maioria alinhada em defesa do superior que, elogiando os
fidelíssimos, exorta-os a acreditar, a obedecer e a combater o inimigo que
constantemente tece emboscadas contra a Igreja, o que, ao fim e ao cabo, está
subentendida no sou eu. Como o tirano que instiga em silêncio, pensando, assim,
poder satisfazer a multidão agitada. Por servil conformismo e por submissão
estes juízes severos e bem pensantes apressar-se-ão a condenar um semelhante
livro: rasgando as vestes, ridicularizarão os audazes, definindo-os como
incapazes, inaptos, rebeldes, insubordinados, insatisfeitos, rancorosos,
exagerados, desprezíveis, e assim por diante. Como se fizessem o papel da filha
de Príamo, que sem que a acreditassem, predizia a destruição de Tróia,
os de bem com a lei defini-la-ão Cassandra de previsões catastróficas e que é
necessário não dar qualquer crédito.
Uma ideia nova, desde que contrária ao que é
normal, é ordinariamente rejeitada a priori por esta maioria que se
recusa a considerá-la com seriedade. Isso porque é costume conferir-se um carácter
sacro ao que habitualmente se vive no próprio meio; o contrário disso é por si
mesmo dessacralizante. O bem não pode estar em oposição a si mesmo, apenas o
mal. Só que se faz confusão grosseira sobre os conceitos de bem e de mal.
Procura-se, por todos os modos, não tornar público o mal e isto para não
enfrentar o fastidioso incómodo de dever eliminá-lo, fazendo com que dê lugar
ao bem. O podre existe, ninguém o nega, mas porquê exibi-lo? Ocultar sob a
venda a chaga gangrenada não atormenta a consciência doente. Pôr a nu uma ou as
cinco chagas da Igreja geraria, ódio, vingança e perseguição; seria mais
prático colocar o nome do bom samaritano no índex...
Os bem pensantes julgam que notícias do género, uma
vez do domínio público, além do escândalo e do descrédito da cúria trariam graves
consequências também para outros meios. O melhor será calar tudo, exactamente
como se fez com o segredo de Fátima; é melhor não o tornar público. Pelo contrário,
René Laurentin diz:
- A insistência e a virulência dos profetas e também dos apóstolos de Cristo escandalizaram muitas vezes o conformismo dos seus contemporâneos. Para impor certas instruções, às vezes é necessário chocar alguém.
Deste autor se faz eco Teixeira:
- O verdadeiro amigo não é aquele que te enxuga as lágrimas mas aquele que te impede de as verter.
Os espíritos tacanhos e estéreis acusam e condenam sempre
os homens corajosos que têm zelo e entusiasmo para semear. Ir contra a corrente,
virtude do homem de carácter forte, é entendido no ambiente da cúria como uma
falta grave, como insubordinação, e por consequência um escândalo a encobrir». In I
Millenari, Via col vento in Vaticano, Kaos Edizioni, 1999, O Vaticano contra
Cristo, tradução de José A. Neto, Religiões, Casa das Letras, 2005, ISBN
972-46-1170-1.
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