«A paisagem não exposta à vista, a essência da Natureza simbolizada
pelas flores na arte lkebana e
o valor da síntese na poesia haiku
fundem-se, revelando-se intimamente ligados às estações do ano. Representam uma
semente, ou fonte que liberta um mundo de emoções, sons, cheiros e cores.
Se às vezes digo que as flores sorriem
e se eu disser que os rios cantam,
não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores
e cantos no correr dos rios…
(...)
Não concordo comigo mas absolvo-me,
porque só sou essa coisa séria, um intérprete .da Natureza,
porque há homens que não percebem a sua linguagem,
por ela não ser linguagem nenhuma.
(...) Se falo naNatureza não é porque saiba o que ela é,
mas porque a amo, e amo-a por isso (…)
In Alberto Caeiro, 1888-1935
O poeta não necessita de nomear as coisas. As suas palavras são
árvores, nuvens, mar, pássaros... Não pássaros que vemos, mas pássaros que o
poeta descreve com imagens, ritmos, símbolos e comparações. Como poeta que vive
num presente intemporal, Caeiro é
rudo o que Pessoa não é, e, além disso,
é tudo o que poucos poetas contemporâneos podem ser: o Homem reconciliado com a Natureza. A obra de Lisa reflecte esta mesma
íntima ligação entre imagem e escrita de rara intemporalidade, onde a atitude do
homem no mundo é puramente contemplativa, perdendo assim a sua individualidade
ao dissolver-se no anonimato do universo. Reflecte a essência do pensamento e
atinge o conceito de universalidade, em nome da paz do Homem e da sua mais
profunda razão de viver, que é afinal a própria Vida.
As Cartas a Ninguém são verdadeiros testemunhos do soluçar da alma.
As palavras têm uma beleza que transcende tempo e espaço. Dizemos que um poeta pinta
com palavras. Lisa Flores é também pintora, mas nesta obra é a sua pena que dá
brilho e cores prodigiosas a descrições admiráveis. E não só. Ela chama pelo
ninguém em cada um de nós e escuta o silêncio da solidão.
Silêncio redondo:
a música da cigarra
penetra na rocha
Bashô
Esse clamor é uma sede de perfeição, harmonia e paz. É a luz que
ilumina a viagem interior de um poeta. Para Rilke, era a única viagem
possível e uma experiência acumulada e oferecida aos homens do futuro para que
pudessem ter o prazer de uma vida plena. Um
dia há-de alguém escrever a Lisa!»
In Lisa Flores, Cartas a Ninguém, ilustração de Ingrid B. Martins,
colecção Outras Obras, Nova Vega, 2004, ISBN 972-699-785-2.
Cortesia de Nova Vega/JDACT