Os Programas de Manuel da Maia
«Na altura da redacção
da segunda parte do memorial, mais de dois meses depois, Manuel da Maia
soubera já que fora escolhido o programa de reedificação integral da parte baixa
da antiga cidade, e age em consequência, ou força a nota, para arredar qualquer
hipótese de meias-medidas: é, sem dúvida, melhor arrasar e renovar toda a
cidade baixa do que conservar as ruas largas e alargar as estreitas. Os problemas
de carácter económico e social postos pela realização de tal programa
preocupam-no, então, mais positivamente e procura encontrar o meio mais
ajustado para os resolver. A sua sugestão é definir, por avaliação de todo
o terreno anteriormente construído, o valor duma unidade padrão (vara, ou palmo
quadrado); cada proprietário teria direito a tanto no terreno da nova edificação
como no anterior, podendo negociá-lo e comprar ou vender partes dos novos
edifícios a construir em parcelas de terreno de seu crédito. Não tendo o tombo
realizado incluído valores mas apenas medidas (como mais tarde se dará conta),
a solução, menos perfeita, será trocar as áreas perdidas por outras
equivalentes, deduzindo espaço de ruas ou praças que, na realidade, constituem
valorização da propriedade. Fica entendido que as novas áreas serão vizinhas
das anteriores, do lado do Rossio ou do lado do Terreiro do Paço.
Em casos de acordo
impossível, caberá ao rei (ou ao Senado, como mais tarde dirá) construir por
sua conta, indemnizando os proprietários. E as dificuldades, como ele prevê,
crescerão pelo facto da uniformidade imposta aos novos edifícios, que
certamente obrigarão a permutas. Manuel da Maia fala, então, numa planta nova com as ruas livremente
desenhadas, prevendo para cada uma dessas ruas a mesma simetria em portas, janelas e alturas, conforme
desenhos que o arquitecto do Senado da cidade, o capitão Eugénio dos Santos
Carvalho fornecerá. Aqui aparece concretizado
o conceito da Baixa regular,
e se anuncia o nome do arquitecto que por ela se responsabilizará, e, por mais
ainda, no desenvolvimento futuro dos planos. Porque se o engenheiro-mor tem moralmente por impraticável a renovação
inteira de Lisboa, em todas as suas freguesias, não deixa de sentir, em
imaginação, que, depois de vencida a
reformação da cidade baixa, se possa com maior segurança empreender o que
agora tanto se dificulta…
A terceira parte da dissertação de Manuel da Maia
serviu fundamentalmente para acompanhar seis plantas da parte central da cidade
propostas à apreciação e escolha do rei, ou de Pombal, e ainda quatro modelos
de fachadas, um deles destinado ao Terreiro do Paço, documentos hoje perdidos.
Adiante estudaremos as plantas; retenhamos
apenas aqui que duas delas, tal como os desenhos das fachadas, são da
responsabilidade de Eugénio dos Santos. E observemos que, na data em
que foram entregues (19 de Abril), já Maia (9 do mesmo mês) tinha
encarregado Eugénio dos Santos, com outros dois arquitectos, de estudar um
plano de urbanização muito mais vasto, a noroeste da Baixa, como se a sua
imaginação pudesse tomar corpo…
No mesmo texto, o
engenheiro-mor preocupa-se sobretudo com aspectos técnicos, nomeadamente
aqueles que dizem respeito à saúde
pública e à comodidade dos habitantes da nova cidade. São os problemas
dos esgotos que imediatamente aborda, defendendo a ideia de construir cloacas
nas ruas principais, que receberiam as imundícies dos edifícios fronteiros;
solução dispendiosa, porém, que poderia ser substituída por outra, mais
tradicional, de fazer recolher todas as manhãs os despejos lançados pelas
janelas, ou outra ainda, mais económica por um lado e mais cara por outro: de
recolher uma só vez ao ano os lixos e superficialidades sólidas que se
iriam acumulando em alfúgeres de cinco ou seis palmos, abertos entre cada duas ruas
e as duas ordens de edifícios que as constituem, o que não deixava de diminuir
os terrenos, e obrigaria a colocar vidraças nas janelas, para proteger os
habitantes dos maus cheiros… Ainda para bem da saúde pública, Maia ocupa-se
das fontes que desejaria multiplicar pela cidade, admitindo mesmo o
melhoramento, que não acha supérfluo, de cada casa possuir a sua conduta de
água. Em compensação não lhe parece aconselhável o exemplo inglês de construir
passeios nas ruas, com considerável despesa de conservação e consumo de muito
terreno, o que acarretaria protestos certos dos proprietários». In
José Augusto França, A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina,
Director da Publicação António Quadros,
Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Minerva
do Comércio, Instituto Camões, 1986.
Cortesia de I.
Camões/JDACT