«Ao chegarem ao Paço, cedido pelo rei para residência de Gualdim
Pais, moços de estrebaria agarraram os cavalos para que se apeassem. -
Acompanhai-me então, para que falemos sobre essa missiva. Gualdim notava no ar
algum gosto de mistério. Conhecia perfeitamente o rei e sabia que aquela visita
não poderia ser um acaso. Algo de novo começava a soar! Era agora no antigo Alcáçar Walli que Gualdim
Pais
vivia. Subiram a escada e dirigiram-se para a sala de refeições. À frente da lareira
crepitante estava uma robusta mesa de madeira e algumas cadeiras de permeio.
Pendurados sobre a lareira, encontravam-se dois estandartes brancos com cruz de
Cristo em azul; era o pavilhão do Senhor Afonso e ao seu lado, a balsa (bandeira)
templária. Distinguia-se claramente a insígnia rectangular, dividida em dois
campos horizontais, sendo o inferior preto e o superior branco, tendo no meio a
cruz templária, salientada a vermelho.
No salão existiam duas filas de janelas, uma de onde se podia ver o
castelo e outra, com vista desafogada até à várzea. Gualdim estava de pé e,
de olhos postos no infinito, olhava o castelo, pensativo. - Que mistérios nos
contemplam, amigo Lopo? Que mistérios???...
- Senhor, o que está em cima também
está em baixo. Dizem que o castelo é uma das cem portas do reino de Agharta (reino subterrâneo,
composto por cidades míticas, ligadas através de túneis, cuja capital é
Shambalah, símbolo do centro do mundo onde, segundo a tradição oriental, vive o
rei do mundo) - Eu sei Lopo, eu sei... Falta-nos a palavra certa para
acedermos ao império da sabedoria subterrânea... mas vinde sentar-vos, assim falaremos
sobre essa missiva de que sois portador. Aqui estaremos em segurança - disse Gualdim
Pais, enquanto ordenava a Renato que fechasse a porta. Os dois homens
sentaram-se junto à lareira, ficando Renato de pé, a uma distância respeitosa.
Aquilo que o Mestre tinha dito ecoava-lhe na cabeça.
Lopo Fernandes lançou um olhar ao jovem e, enquanto se dirigia a
Gualdim,
buscava sinais de confiança que lhe permitissem realizar a sua missão. -
Mestre... O assunto que aqui me traz reveste-se de algum secretismo, tenho orientações
precisas para o comungar apenas convosco, senhor. - Renato... - disse Gualdim,
com voz calma - ... aviva o lume e senta-te connosco. Sabes amigo… afirmou para
o mensageiro - ... O pai de Renato era Mestre de Armas d'El-Rei Afonso e encarregou-me
da sua educação antes de morrer. Deus o guarde era um bom homem! Não vos
preocupeis com ele... podeis falar, estimo-o como a um filho.
- Pois bem meu bom Mestre, como
sabeis o nosso Rei tem a preocupação de consolidar o território. Depois das
vossas campanhas no Egipto e na Síria, El-Rei Afonso necessita de vós para algo
grandioso! - Os olhos de Lopo Fernandes brilhavam e, ao fitar o Mestre, aumentava
a imensa curiosidade deste. - E o que espera o Rei de mim?... Falai homem de
Deus! - Tomai - proferiu o mensageiro. - E entregou-lhe um rolo de pele de
porco, no qual se via claramente o emblema real, com um manuscrito dentro. Gualdim
pegou no canudo de pele desenrolou-o, olhando surpreso para Lopo
Fernandes. Em silêncio leu o documento... e estacou.
Renato estava curioso. Não podia conter o visível entusiasmo... durante
o tempo que passara com o Mestre, desde que o pai falecera quando contava
catorze anos, nunca tinha sido assistido a nada semelhante. Gualdim
Pais nunca lhe permitira participar assim em assuntos da máxima
importância, muito menos em matéria que envolvesse Sua Majestade. Quando vivia
com o pai tornara-se perspicaz o suficiente para compreender a natureza dos
acontecimentos, mas daí a deixarem-no participar deles... era um homem feito, é
certo... fazia dezoito anos nesse mesmo ano. .. talvez tivesse chegado a sua
hora, também, de provar a devoção que mantinha por aquele Mestre que tanto já
lhe dera. Talvez... – Pensava». In Maria João Martins Pardal e Ezequiel
Passos Marinho, A Comenda Secreta, Ésquilo, Lisboa, 2005, ISBN 972-8605-58-7.
continua
Cortesia de Ésquilo/JDACT