domingo, 21 de abril de 2013

A Teologia de Leonardo Coimbra. Pinharanda Gomes. «Que primado, aí, o da política, ou o da educação? A resposta está na emblemática. Na emblemática da revista A “Águia”, tornada órgão da “Renascença Portuguesa” que também publicaria, a partir de 1912, o quinzenário “Vida Portuguesa”»

Os três amigos
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Renascença e Águia
«Perante o amor da República, e perante o fracasso da mudança do regime, alguns intelectuais de formação diversa, mas todos profundamente vinculados a uma herança rural, acharam necessário fazer a revolução, mas onde ser feita, do lado do avesso, pela educação nacional. Renascença significa-se aí, no substantivo e no prefixo que a demonstram, nascer de novo. Não é andar para trás; é iniciar de novo a marcha, para se obter melhor efeito. A Renascença surge com vista a implantar a alma portuguesa na terra portuguesa, de forma a que Portugal exista como Pátria. O projecto passa pela revelação da alma lusitana, que deveria ser integrada nas suas realidades essenciais. De acordo com os Estatutos, visava promover a maior cultura do povo através dos meios disponíveis, com o fito de dar conteúdo renovador e fecundo à revolução republicana.
O grupo fundador admitia que a República carecia de conteúdo renovador e fecundo. Ele tinha de soprar do lado de fora, ou dentro da própria República. Era este o pensamento que, pondo a tónica em dois vectores, Educação/República, veio a ocupar uma revistazinha fundada por Álvaro Pinto em 1910, na capital do Norte, titulada A Águia (1.ª série, 1910-1911), fortemente inspirada na influência racionalista e jacobina dos pensadores portuenses, quais Sampaio Bruno e Basílio Telles. A Águia não tinha, porém, um programa de vida, o qual lhe veio a ser dado pelo grupo da Renascença Portuguesa, em 1912. Esse programa, guardado nos limites, expandiu-se ao longo da existência da revista (2.ª série, 1912-1921, com a direcção de Pascoaes; 3.ª série, 1922-1927 , 4ª série, 1928-1931, 5ª série, 1932, com direcções colegiais, de que participaram Leonardo Coimbra, Teixeira Rego, Hernâni Cidade, e outros).
Que primado, aí, o da política, ou o da educação? A resposta está na emblemática. Na emblemática da revista A Águia, tornada órgão da Renascença Portuguesa que também publicaria, a partir de 1912, o quinzenário Vida Portuguesa, para maiores camadas de leitores, surge um globo terrestre, com terras e águas. E, os pés assentes na terra, a Águia, de asas abertas, olhos fitos no espaço, prepara-se para levantar voo. Na sua frente, o espaço infinito, o céu. De pés fincados na terra, a água mede a distância para o céu. É o símbolo do homem novo, símbolo esse que se explica em Pascoaes:
  • No Princípio era a Esperança. O seu voo, através dum espaço ideal, vai-se corporizando em lembrança, ao longo do espaço concreto. O Espírito e a Matéria são as duas faces do Enigma; a natureza inicial, diabólica, e a natureza divina e final. Transmutar o demoníaco em divino, eis o nosso ideal, que consiste, no campo patriótico, em elevar o criador animal e individual a criatura espiritual.
O esquema de ideias está ai: Renascença = Transmutação, Metamorfose, Transformação, pelo que nunca será de mais assinalar o evolucionismo transformista que orientou pensadores renascentistas como Pascoaes, Leonardo e Teixeira Rego, cada um dentro da sua visão religiosa. O diagrama ideológico faz entender o motivo porque, às grandes figuras políticas, a Renascença preferiu as figuras dos santos, e porque motivo, entre as figuras dos santos, privilegiou São Francisco, São Paulo, Santo Agostinho e, no topo, Jesus, conforme consta das escrituras de Leonardo Coimbra e de Pascoaes. O pressuposto pascoalino da Esperança tem analogia na imagística de Leonardo:
  • É a alma na tentativa de voo e no assombro das alturas. Ah! Mas agora é heróica, alegre e confiada a minha alma. Os céus brilham as possibilidades sem fim da vida criadora, e, no silêncio maternal da noite, eu bem vejo germinar o ideal, bem vejo a, infinita sementeira de sonho, que enche o Espaço.
A águia é o homem que, vendo como ainda não atingiu a sua humanidade, inicia um voo para ela. O verbo Ser e o verbo Amar. Uma segunda advertência consta. A Águia apresenta-se como revista de literatura, arte, ciência, filosofia, crítica social. Vejamos a gradação:
  • em primeiro lugar, põe as artes imagísticas, literatura e arte;
  • em segundo, lugar, as ciências fenomenológicas ciência;
  • em terceiro lugar, a arte especulativa e do conhecimento, filosofia;
  • e, por fim, a crítica social.
A escada vai das artes para a religião, com passagem pelo concreto da ciência e pelo teórico da filosofia. Crítica social significa, neste contexto ordinal, não a análise da conjuntura política, mas o preenchimento da sociedade em crise pelos valores apurados nos saberes anteriores da enumeração: literatura, arte, ciência e filosofia. Com estas quatro disciplinas fica instaurada a crítica social, ou seja, o, crescimento da sociedade, pela transmutação dos valores, pela renascença da sua alma. Os saberes são ancilares da felicidade. Outra leitura que não esta descapitalizaria o espírito da Renascença portuguesa. O primado aguilista jâ se vê, nesse caso, e sem outra declaração, qual seja. Vem nas definições de Leonardo, que deu o teor criacionista à dinâmica do plano inclinado de Pascoaes. Enquanto a arte procura dar permanência e eternidade às efémeras formas de pensamento superior, a religião é o êxtase e o entusiasmo dos grandes ramos, marulhando, enleados, na imensidade em que e para que se agitam». In Pinharanda Gomes, A Teologia de Leonardo Coimbra, Guimarães Editores, Colecção Filosofia e Ensaios, Lisboa, 1985.

Cortesia de Guimarães Edt./JDACT