quinta-feira, 25 de abril de 2013

O Sonhador Pragmático. Melo Antunes. Maria Manuela Cruzeiro. «Um gesto de soberana liberdade. Um derradeiro e inesperado presente. Uma seta apontada ao coração e à inteligência dos que o mereciam e que o souberam acolher não como confissão ou testamento, mas como legenda de uma vida»

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«A tentação totalitária dos militares foi o pretexto para uma classe política impaciente disfarçar a sede de poder de que os acusavam. Sem elegância, apressaram-se a dispensar aqueles que muito pouco tempo antes adulavam. Melo Antunes, que acumulara o cargo de conselheiro com o de presidente da Comissão Constitucional, ignorou, contudo, ressentimentos, rancores e desilusões pessoais, que remeteu sempre para os atalhos da História, e traçou a M. João Avillez o diagnóstico implacável:
  • Não saio desiludido. O que julgo é que esta experiência poderia ter sido muito mais rica se não tivesse havido tantos erros, desvios, incapacidades para compreender que o 25 de Abril era a grande oportunidade histórica. Não houve a capacidade global de determinar uma estratégia de transformação estrutural da sociedade portuguesa.
Não contassem com ele para o discurso da vitimização tão nosso, tão português. E muito menos para se pôr em bicos de pés. Contassem, isso sim, que desse a cara pelas grandes causas de uma vida, num combate leal e responsável tanto nas vitórias como nas derrotas. Não contaram. Talvez pela falta de adversários à altura, os seus combates foram-se tornando mais solitários. O seu pesado silêncio tem a exacta medida do habitual descaso nacional, quando não da mesquinhez revanchista e interesseira. Com as excepções dos presidentes Eanes e Sampaio, ninguém lhe achou grande préstimo nem dentro nem fora. A vasta experiência internacional dos governos que integrou e das funções de conselheiro e de subdirector da UNESCO que desempenhou entre 84 e 88 não lhe deram o perfil ideal para, ser o nosso candidato a director-geral dessa organização, em 92.
Vítima de alguma injustiça? A pergunta de José Carlos de Vasconcelos, a resposta é previsível, mas nem por isso menos perturbante:
  • Não vejo o caso dessa maneira: tive a intervenção que tive, o meu papel histórico esgotou-se. Sou um cidadão como outro qualquer. Se existe injustiça, não é contra mim, mas generalizada em relação a quase todos os que se bateram contra a ditadura.
A sua inscrição no PS de Jorge Sampaio, em 1991, e o seu apoio à moção Falar É Preciso, de Manuel Alegre, ao Congresso do PS, em 1999, não são já actos políticos. Têm a imensa carga simbólica dos gestos gratuitos ou anacrónicos. Um gesto de soberana liberdade. Um derradeiro e inesperado presente. Imerecido para uns, imprestável para tantos outros, mas seta apontada ao coração e à inteligência dos que o mereciam e que o souberam acolher não como confissão ou testamento, mas como legenda de uma vida. A amizade vigilante de Lobo Antunes fez-lhe o mais belo epitáfio:
  • Quando Ernesto Melo Antunes morreu, vivi no funeral uma das situações mais comoventes e emocionantes da minha vida. Estavam ali os rapazes que fizeram a Revolução, aqueles bravos capitães, companheiros de Ernesto, rapazes que já tinham sessenta anos, choravam como crianças. Homens duros, que tinham provado a sua enorme coragem, mas choravam desconsolados, porque não só perdiam um amigo e um grande homem. Perdiam sobretudo um camarada. Era muito emocionante vê-los tão desolados. Chorava-se a morte de Ernesto, e também se choravam muitas outras coisas que não tinham podido acontecer.
Este livro é para nós muito mais do que um imprescindível e precioso documento com que enriquecemos o nosso espólio de História Oral e que entendemos ser o momento de oferecer quer a quem viveu a Revolução, quer a quem a estuda, quer finalmente a quem se sinta minimamente comprometido com a História deste país. É também a homenagem a Ernesto Melo Antunes e aos companheiros que no seu exemplo se revêem e se encontram. Homenagem ao que a História regista e é passado. Mas também às sementes de futuro que nela lançaram. Mas sabemos que os ventos são caprichosos e que há terras sedentas de sementes». In Melo Antunes, O Sonhador Pragmático, Maria Manuela Cruzeiro e Boaventura de Sousa Santos, Histórias da História, Editorial Notícias, 2005, ISBN 972-46-1563-4.

Cortesia de E. Notícias/JDACT