NOTA: De acordo com o original.
Nota do Traductor
«Esse quadro sublime, onde diviso os vultos
giganteos dos esforçados cavalleiros, que nos conquistaram e defenderam a
patria, é para mim o que devera ser para todos, um incentivo ao estudo, á
civilisação e ao progresso. O nosso nome eleva-se acima do de todas as nações,
mas lamento e córo de vergonha, que o não sigamos de perto; que não mostremos
hoje, como deviamos fazer, que o sangue dos Affonsos, dos Henriques,
Albuquerques e Gamas nos corre ainda nas veias! Portugal adormeceu á borda do
seu caminho de gloria e deixou que as outras nações lhe passassem além, e tão
profundo é o somno lethargico em que jaz ainda, que não vê que os povos que
passam, nos pizam os louros e rasgam o manto immaculado que as gerações
passadas nos legaram. Portugal julgou, se não julga ainda, que com elle dormirá
o progresso e não pensa que o nosso nome é sem duvida o encargo mais pesado que
nos deixaram os seculos, que tombaram no pó dos tempos; não quer reconhecer a necessidade
de conservar e transmittir ás gerações vindouras esse nome grandioso.
A geração presente parece porém dar um certo numero
de garantias, que nos fazem crer n'um futuro brilhante. O amor pelo estudo e
pelo trabalho parece resuscitar de novo e animar e dar movimento a esta machina
prestes a parar. As edições romanticas vão tendo menos apologistas e
procuram-se com mais interesse os livros de sciencia. A empreza, Horas
de Viagem, merece n'este ponto o maior elogio, pois não trepida entre milhares
de obstaculos e concorre para o estudo do grande assumpto colonial com a
publicaçao do melhor livro de viagens africanas, que o seculo XIX tem produzido.
A illustração é a maior alavanca do progresso e a nação
mais illustrada caminhará sempre na vanguarda das outras. É preciso não deixar
approximar mais do abysmo a nossa pobre patria, pois é sabido que tanto maior
será a queda, quanto mais elevado fôr o ponto de partida e não será facil no
meio da queda suster o movel, não haverá força por maior que seja, sciencia por
mais solida, que tenha esse poder. É para a mocidade de hoje, que olho com
respeito, que eu appello! Estudae e estudae sempre. Respeitae as tradições dos nossos
maiores, mas em logar de dizer com intonação balôfa, já fômos grandes, procurae
poder dizer, somos ainda hoje grandes como o fômos outr'ora, e tereis assim
conquistado o direito de serdes, pelos vossos compatriotas chamados
benemeritos.
Explicação. Parte I
De volta a Londres em abril de 1874 da guerra dos Ashantis, fui informado de que morrera Livingstone
e que o seu corpo vinha em caminho da Inglaterra! Morrera pois Livingstone! Nas margens do lago
Bemba, no limiar da mysteriosa região, que tanto desejara explorar, é que lhe
fugira a vida. E assim a obra, que me promettera executar, estava apenas
começada quando a morte o arrebatou! Passada a primeira commoção ao receber tão
fatal noticia, impuz a mim mesmo a inabalavel resolução de completar a
grandiosa obra, que Livingstone
emprehendera: e, ou seria mais um martyr da sciencia militante, ou, se Deus me
conservasse a existencia, arrancaria ao continente negro não só os segredos do
seu grande rio, mas tambem completaria tudo quanto ainda houvesse de problematico
nas descobertas de Burton e Speke,
e de Speke e Grant.
Chegou o dia da inhumação do corpo do meu malogrado
amigo. Fui um dos que na abbadia de Westminster pegaram nas borlas do
caixão; e, quando depois o vi descer á sepultura e ouvi resoar a primeira pá de
terra, que sobre elle caiu, affastei-me consternado e lastimei a sorte de David
Livingstone. D'ahi .* aiuote trabalhei noite e dia n'um livro que desejava
publicar Commassie and Magdala;
e no impaciente ardor, em que estava de dar principio á obra que me impozera,
tres semanas me bastaram para terminar aquelle trabalho litterario. Estava livre». In Henry Morton Stanley, Atravez
do Continente Negro (ou as nascentes do Nilo, Circumnavegação dos grandes lagos
da Africa Equatorial e descida do rio Livingstone ou Congo até ao oceano
Atlantico), tradução do inglês por Mac-Noden, Lisboa, Mendonça & Irwin,
Empresa Editora, Lallemant Frères, Typ. Lisboa (fornecedores da Casa de
Bragança), 1880.
Cortesia de Mendonça & Irwin/JDACT