terça-feira, 2 de abril de 2013

Através do Continente Negro. Henry Morton Stanley. Tradução de Mac-Noden. «A geração presente parece porém dar um certo número de garantias, que nos fazem crer num futuro brilhante. O amor pelo estudo e pelo trabalho parece ressuscitar de novo e animar e dar movimento a esta máquina prestes a parar»

H. M. Stanley, 1874
jdact

NOTA: De acordo com o original.

Nota do Traductor
«Esse quadro sublime, onde diviso os vultos giganteos dos esforçados cavalleiros, que nos conquistaram e defenderam a patria, é para mim o que devera ser para todos, um incentivo ao estudo, á civilisação e ao progresso. O nosso nome eleva-se acima do de todas as nações, mas lamento e córo de vergonha, que o não sigamos de perto; que não mostremos hoje, como deviamos fazer, que o sangue dos Affonsos, dos Henriques, Albuquerques e Gamas nos corre ainda nas veias! Portugal adormeceu á borda do seu caminho de gloria e deixou que as outras nações lhe passassem além, e tão profundo é o somno lethargico em que jaz ainda, que não vê que os povos que passam, nos pizam os louros e rasgam o manto immaculado que as gerações passadas nos legaram. Portugal julgou, se não julga ainda, que com elle dormirá o progresso e não pensa que o nosso nome é sem duvida o encargo mais pesado que nos deixaram os seculos, que tombaram no pó dos tempos; não quer reconhecer a necessidade de conservar e transmittir ás gerações vindouras esse nome grandioso.
A geração presente parece porém dar um certo numero de garantias, que nos fazem crer n'um futuro brilhante. O amor pelo estudo e pelo trabalho parece resuscitar de novo e animar e dar movimento a esta machina prestes a parar. As edições romanticas vão tendo menos apologistas e procuram-se com mais interesse os livros de sciencia. A empreza, Horas de Viagem, merece n'este ponto o maior elogio, pois não trepida entre milhares de obstaculos e concorre para o estudo do grande assumpto colonial com a publicaçao do melhor livro de viagens africanas, que o seculo XIX tem produzido.
A illustração é a maior alavanca do progresso e a nação mais illustrada caminhará sempre na vanguarda das outras. É preciso não deixar approximar mais do abysmo a nossa pobre patria, pois é sabido que tanto maior será a queda, quanto mais elevado fôr o ponto de partida e não será facil no meio da queda suster o movel, não haverá força por maior que seja, sciencia por mais solida, que tenha esse poder. É para a mocidade de hoje, que olho com respeito, que eu appello! Estudae e estudae sempre. Respeitae as tradições dos nossos maiores, mas em logar de dizer com intonação balôfa, já fômos grandes, procurae poder dizer, somos ainda hoje grandes como o fômos outr'ora, e tereis assim conquistado o direito de serdes, pelos vossos compatriotas chamados benemeritos.

Explicação. Parte I
De volta a Londres em abril de 1874 da guerra dos Ashantis, fui informado de que morrera Livingstone e que o seu corpo vinha em caminho da Inglaterra! Morrera pois Livingstone! Nas margens do lago Bemba, no limiar da mysteriosa região, que tanto desejara explorar, é que lhe fugira a vida. E assim a obra, que me promettera executar, estava apenas começada quando a morte o arrebatou! Passada a primeira commoção ao receber tão fatal noticia, impuz a mim mesmo a inabalavel resolução de completar a grandiosa obra, que Livingstone emprehendera: e, ou seria mais um martyr da sciencia militante, ou, se Deus me conservasse a existencia, arrancaria ao continente negro não só os segredos do seu grande rio, mas tambem completaria tudo quanto ainda houvesse de problematico nas descobertas de Burton e Speke, e de Speke e Grant.
Chegou o dia da inhumação do corpo do meu malogrado amigo. Fui um dos que na abbadia de Westminster pegaram nas borlas do caixão; e, quando depois o vi descer á sepultura e ouvi resoar a primeira pá de terra, que sobre elle caiu, affastei-me consternado e lastimei a sorte de David Livingstone. D'ahi .* aiuote trabalhei noite e dia n'um livro que desejava publicar Commassie and Magdala; e no impaciente ardor, em que estava de dar principio á obra que me impozera, tres semanas me bastaram para terminar aquelle trabalho litterario. Estava livre». In Henry Morton Stanley, Atravez do Continente Negro (ou as nascentes do Nilo, Circumnavegação dos grandes lagos da Africa Equatorial e descida do rio Livingstone ou Congo até ao oceano Atlantico), tradução do inglês por Mac-Noden, Lisboa, Mendonça & Irwin, Empresa Editora, Lallemant Frères, Typ. Lisboa (fornecedores da Casa de Bragança), 1880.

Cortesia de Mendonça & Irwin/JDACT