quinta-feira, 25 de abril de 2013

Semeador de Cultura e Cidadania. Inéditos e dispersos. Bento de Jesus Caraça. Alberto Pedroso. «… labor no campo da investigação matemática, ao nível do impulso e do persistente esforço de criação de instituições e de instrumentos de trabalho científico para o desenvolvimento da ciência matemática em Portugal»

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«Não foi fácil o caminho que o trouxe do monte alentejano até à cátedra do Instituto Superior de Comércio (mais tarde Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, actualmente, Instituto Superior de Economia e Gestão). A morte da protectora, D. Jerónima, a proprietária da Herdade de Casa Branca, quando estava prestes a concluir o curso liceal, impuseram-lhe para sobreviver e prosseguir os estudos, no momento em que a mesada começou a rarear e depois se extinguiu por completo, o redobrar das explicações que dava. Foi no liceu, nas vésperas de completar dezasseis anos e quando frequentava o sexto ano do curso, que Bento Caraça terá escrito as suas primeiras prosas e alguns poemas, estes últimos destinados a uns cancioneiros que circulavam entre os alunos. Manuscritos, ao que parece, é o próprio Caraça que a eles faz referência, não encontrámos até agora qualquer rasto da sua existência, nem na biblioteca do Liceu de Pedro Nunes, nem no espólio de Bento Caraça. Encontrámos, isso sim, três textos dessa época, um, sem data, o poema o Fragmentos de Um Drama Inédito; o segundo, igualmente sem data, mas que é possível determinar ter sido escrito por volta de Fevereiro de 1917, Crítica sobre a novela Mariana; e, o último, um prefácio para a mesma novela, Mariana, escrito em 17/12/1918.
Os dois últimos textos comentam, numa escrita escorreita e de apurado sentido crítico, a referida novela, que fora escrita por Luís Ernâni Dias Amado, já nesse tempo amigo chegado de Caraça e seu condiscípulo. Concluído o curso liceal em 1918, com a média final de 19 valores, logo se matriculou no antigo Instituto Superior de Comércio. Seguro de si, fez questão de inscrever, resoluta e profeticamente, logo na primeira folha do seu caderno escolar: Hei-de ser o primeiro aluno do meu curso. Estava-se em 28 de Fevereiro de 1919, e Bento Caraça ainda não tinha completado dezoito anos de idade. Mas, como sempre foi um homem de palavra não tardou que, ainda nesse ano, em 1 de Novembro, fosse nomeado segundo assistente temporário do Instituto. Terminado o curso com elevadas classificações, cumprindo, assim, o que a si próprio prometera, logo foi nomeado, em 1924, primeiro assistente temporário, cargo que, três anos mais tarde, passou a definitivo. Foi acerca desta última nomeação e em seu abono que o professor catedrático Aureliano Lopes Mira Fernandes, matemático de grande nomeada e seu mestre, em carta dirigida ao Conselho Escolar do Instituto, teceu considerações que merece a pena reproduzir aqui, muito embora parcialmente:
  • O Senhor Bento Caraça exerceu as funções de segundo assistente das cadeiras de Matemática, desde o seu terceiro ano de aluno desta Escola, com tal proficiência, desvelo pedagógico e nítida compreensão da sua ingrata missão de aluno e mestre, que nunca ao de leve colidiram os seus deveres de camaradagem escolar com as suas obrigações docentes.
E logo adiante sublinhou:
  • Saber, aptidão docente, conhecimento claro das preferências mentais dos alunos e dos processos e incentivos com que mais facilmente se consegue da sua atenção e do seu esforço a assimilação da verdade; imperturbável serenidade e prudência no julgamento, sem desmandos de exigência, mas também sem complacentes tibiezas; inexcedível zelo e amor profundo à difícil e tantas vezes inglória profissão de ensinar; tais são, Senhor Presidente, as qualidades que fazem do Senhor Caraça um dos melhores instrumentos da dificultosa tarefa que a esta Escola incumbe na nobilitação e progresso do ensino superior em Portugal.
Foi longa a citação. Mas a verdade é que esta carta constitui, a nosso ver, o testemunho mais fiel e mais esclarecedor do que realmente foi, desde a primeira hora, a vida docente do matemático e pedagogo Bento de Jesus Caraça. O reconhecimento público das suas invulgares capacidades de professor, os seus méritos de pedagogo bem depressa o levaram à cátedra universitária, em Dezembro de 1929, com 28 anos. E levaram-no também, ainda antes de ser catedrático, a ter assento em três comissões nomeadas pelo Governo para, respectivamente, estudar as medidas tendentes a conseguir-se a extinção do analfabetismo, fazer inquérito preparatório da reforma do ensino secundário, definindo o seu questionário e elaborando as respectivas conclusões e, a última comissão, encarregada de elaborar um trabalho sobre as modificações a introduzir no ensino médio industrial e comercial.
Não menos assinalável foi o seu labor no campo da investigação matemática, talvez não propriamente no plano teórico, como apontam alguns dos seus pares, mas antes ao nível do impulso e do persistente esforço de criação de instituições e de instrumentos de trabalho científico indispensáveis para o desenvolvimento da ciência matemática em Portugal». In Alberto Pedroso, Bento de Jesus Caraça, Semeador de Cultura e Cidadania. Inéditos e dispersos, Campo das Letras Editores, Porto, colecção Cultura Portuguesa, 2007, ISBN 978-989-625-128-4.

Cortesia de Campo das Letras/JDACT