«Não foi fácil o caminho que o trouxe do monte alentejano até à cátedra
do Instituto Superior de Comércio (mais tarde Instituto Superior de Ciências
Económicas e Financeiras, actualmente, Instituto Superior de Economia e Gestão).
A morte da protectora, D. Jerónima, a proprietária da Herdade de Casa Branca,
quando estava prestes a concluir o curso liceal, impuseram-lhe para sobreviver
e prosseguir os estudos, no momento em que a mesada começou a rarear e depois
se extinguiu por completo, o redobrar das explicações que dava. Foi no liceu, nas
vésperas de completar dezasseis anos e quando frequentava o sexto ano do curso,
que Bento Caraça terá escrito as
suas primeiras prosas e alguns poemas, estes últimos destinados a uns
cancioneiros que circulavam entre os alunos. Manuscritos, ao que parece, é o
próprio Caraça que a eles faz
referência, não encontrámos até agora qualquer rasto da sua existência, nem na
biblioteca do Liceu de Pedro Nunes, nem no espólio de Bento Caraça. Encontrámos, isso sim, três textos dessa época, um,
sem data, o poema o Fragmentos de Um
Drama Inédito; o segundo, igualmente sem data, mas que é possível
determinar ter sido escrito por volta de Fevereiro de 1917, Crítica sobre a novela
Mariana; e, o último, um prefácio para a mesma novela, Mariana, escrito em 17/12/1918.
Os dois últimos textos comentam, numa escrita escorreita e de apurado sentido
crítico, a referida novela, que fora escrita por Luís Ernâni Dias Amado,
já nesse tempo amigo chegado de Caraça
e seu condiscípulo. Concluído o curso liceal em 1918, com a média final de 19 valores, logo se matriculou no antigo
Instituto Superior de Comércio. Seguro de si, fez questão de inscrever,
resoluta e profeticamente, logo na primeira folha do seu caderno escolar: Hei-de
ser o primeiro aluno do meu curso. Estava-se em 28 de Fevereiro de 1919, e Bento Caraça ainda não tinha completado dezoito anos de idade. Mas,
como sempre foi um homem de palavra não tardou que, ainda nesse ano, em 1 de Novembro,
fosse nomeado segundo assistente temporário do Instituto. Terminado o curso com
elevadas classificações, cumprindo, assim, o que a si próprio prometera, logo foi
nomeado, em 1924, primeiro
assistente temporário, cargo que, três anos mais tarde, passou a definitivo.
Foi acerca desta última nomeação e em seu abono que o professor catedrático Aureliano
Lopes Mira Fernandes, matemático de grande nomeada e seu mestre, em carta
dirigida ao Conselho Escolar do Instituto, teceu considerações que merece a
pena reproduzir aqui, muito embora parcialmente:
- O Senhor Bento Caraça exerceu as funções de segundo assistente das cadeiras de Matemática, desde o seu terceiro ano de aluno desta Escola, com tal proficiência, desvelo pedagógico e nítida compreensão da sua ingrata missão de aluno e mestre, que nunca ao de leve colidiram os seus deveres de camaradagem escolar com as suas obrigações docentes.
E logo adiante sublinhou:
- Saber, aptidão docente, conhecimento claro das preferências mentais dos alunos e dos processos e incentivos com que mais facilmente se consegue da sua atenção e do seu esforço a assimilação da verdade; imperturbável serenidade e prudência no julgamento, sem desmandos de exigência, mas também sem complacentes tibiezas; inexcedível zelo e amor profundo à difícil e tantas vezes inglória profissão de ensinar; tais são, Senhor Presidente, as qualidades que fazem do Senhor Caraça um dos melhores instrumentos da dificultosa tarefa que a esta Escola incumbe na nobilitação e progresso do ensino superior em Portugal.
Foi longa a citação. Mas a verdade é que esta carta constitui, a nosso ver,
o testemunho mais fiel e mais esclarecedor do que realmente foi, desde a
primeira hora, a vida docente do matemático
e pedagogo Bento de Jesus Caraça.
O reconhecimento público das suas invulgares capacidades de professor, os seus
méritos de pedagogo bem depressa o levaram à cátedra universitária, em Dezembro
de 1929, com 28 anos. E levaram-no
também, ainda antes de ser catedrático, a ter assento em três comissões
nomeadas pelo Governo para, respectivamente, estudar as medidas tendentes a conseguir-se a extinção do analfabetismo,
fazer inquérito preparatório da
reforma do ensino secundário, definindo o seu questionário e elaborando as
respectivas conclusões e, a última comissão, encarregada de elaborar um trabalho sobre as modificações a
introduzir no ensino médio industrial e comercial.
Não menos assinalável foi o seu labor no campo da investigação
matemática, talvez não propriamente no plano teórico, como apontam alguns dos
seus pares, mas antes ao nível do impulso e do persistente esforço de criação
de instituições e de instrumentos de trabalho científico indispensáveis para o
desenvolvimento da ciência matemática em Portugal». In Alberto Pedroso, Bento de
Jesus Caraça, Semeador de Cultura e Cidadania. Inéditos e dispersos, Campo das
Letras Editores, Porto, colecção Cultura Portuguesa, 2007, ISBN
978-989-625-128-4.
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