segunda-feira, 29 de abril de 2013

Nas Origens de Portugal. Séculos IX a XII. Reconquista Cristã. Pedro G. Barbosa. «A história da Cultura e o estudo das mentalidades fornecem-nos preciosas informações, tanto no que diz respeito às motivações dos combatentes quanto à capacidade de liderança e às escolhas tácticas e estratégicas»

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«Quais as tácticas usadas no campo de batalha? Quais as variações, tendo em conta a proporção das forças em presença e a conformação do terreno? Como se comportam, ou como são utilizadas as diferentes armas que compõem os exércitos? Qual a preparação estratégica e táctica dos generais? Como se desenvolvia a guerra de cerco? Estes são apenas alguns dos temas, e as respostas às questões têm que ser procuradas em documentos tão diversos como as crónicas, cristãs e muçulmanas, em textos de poetas ou prosadores, em documentação avulsa, em forais, em materiais fornecidos pela História da Arte e pela Arqueologia, e ainda em fontes tão insuspeitas quanto sermões e outros textos litúrgicos.
O nosso propósito é estudar o homem combatente e os sistemas bélicos. Mas tal propósito não nos deve fazer esquecer que eles não aparecem por acaso, sem a mínima relação com os outros campos da História. Estaríamos, então, a estudar uma matéria fictícia, sem relação com a realidade histórica. Não podemos perceber a composição de um exército e a sua cadeia de comando sem levarmos em conta a estrutura social do grupo estudado, as relações de dependência entre os vários estratos sociais, a sua força ou a sua fraqueza demográfica. Não nos podemos alhear da história política, não reduzindo, contudo, a guerra à política por meios violentos. As motivações que comandam as actividades bélicas não dependem do desejo de um chefe ou de um grupo de caudilhos. É uma verdade óbvia, mas que foi no passado muitas vezes esquecida, pelos mais variados motivos.
O estudo do armamento usado pelas forças em presença não pode ser levado a cabo sem termos sempre em mente as influências externas, por imitação, importação ou migração de guerreiros, a tecnologia à disposição dessas sociedades, as matérias-primas a que tinham acesso. Quanto às armadas, não só é importante ter-se informação sobre os tipos de embarcações usadas, e as possíveis influências estrangeiras como as técnicas de construção naval e os conhecimentos náuticos, mas também sobre os portos de abrigo, militares ou de conveniência, e as teracenas onde eram feitos e consertados os barcos. Acresce a tudo isso percebermos como eram as guarnições dos vários vasos de guerra, nos vários momentos, e o seu armamento ofensivo. Por quem eram tripulados? Quais as tácticas usadas em cada momento, em cada teatro de operações e por cada tipo de embarcações?
A história da Cultura e o estudo das mentalidades fornecem-nos preciosas informações, tanto no que diz respeito às motivações dos combatentes quanto à capacidade de liderança e às escolhas tácticas e estratégicas. O objectivo deste estudo é exactamenre o tratar de temas militares específicos. Estes aspectos serão chamados apenas quando forem indispensáveis para um melhor esclarecimento de determinados pontos, remetendo para estudos já existentes, nos restantes casos. Existe um vasto conjunto de obras, entre livros e artigos, que tratam dos aspectos políticos, sociais, económicos e culturais da época. Uns excelentes, outros de menor qualidade, e ainda outros com cujas conclusões não estarei totalmente de acordo. É claro que, ao estudar o problema da guerra de fronteira terei que ter sempre em conta a estrutura dessas comunidades raianas, seja das cristãs, seja das muçulmanas, ou em território ocupado pelos muçulmanos. Mas o que não considerar essencial para o discurso será apenas aflorado, remetendo-se para obras onde o tema se encontra tratado com maior profundidade. O mesmo se diga em relação à questão do ermamento, já sobejamente tratado e explorado por medievalistas de grande prestígio, tanto nacionais quanto estrangeiros.
Por isso, a obra não é uma História da Arte da Guerra no Portugal Medieval, nos momentos da Reconquista. Encarámo-la como um conjunto de estudos, incompletos, mas que têm uma sequência que pensamos lógica, ponto de partida para completarmos o puzzle, encaixando parte das peças que faltam. Mas são em grande número os documentos, tanto particulares quanto régios, as Crónicas, as vidas, de Santos, as imagens, muitas delas só trabalhadas através de reproduções, algumas truncadas e sem relação com o texto de que são ilustração, esculturas de vário tipo, espalhadas pelo País, fortificações que tivemos que visitar para melhor conhecer a sua localização no terreno, mas de que não conhecemos a forma primitiva das suas defesas, ou mesmo os sistemas anexos, por vezes apenas referenciáveis pela toponímia, já que a arqueologia medieval começa apenas agora a dar os seus primeiros passos». In Pedro G. Barbosa, Reconquista Cristã, nas Origens de Portugal, Séculos IX a XII, Ésquilo, Lisboa, 2008, ISBN 978-989-8092-26-7.

continua
Cortesia de Ésquilo/JDACT