«Vasco da Gama, ajudado pelos deuses, contrariado pelos deuses, roga ao
seu deus, Deus dos cristãos, que o leve à Índia ou, entretanto e para já, a
sítio sossegado que possa dar-lhes forças para continuar. – Bute!
Sempre que se falava d’Os Lusíadas, em casa, nas ruas,
fosse onde fosse, acorriam logo palavras e palavrinhas que se me afiguravam
fantásticas, impenetráveis, misteriosas. Uma delas era a palavra épica, um
substantivo feminino cujo oculto significado a minha avó se incumbiu de
revelar: - Chama-se épica ao género poético que narra em estilo elevado feitos
heroicos de personagens históricos ou lendários. – Pois, muito bem,
esclarecido. E então lírico? – Então lírico é assim: um adjectivo masculino.
Diz-se do género de poesia que exprime sentimentos delicados da alma do poeta.
- Pois, muito bem entendido. E
epopeia? – É um substantivo feminino. E é um poema extenso em que se contam
acções heroicas e grandiosas. – Pois, muito bem, assimilado. E Mitologia? – É
um substantivo feminino. É um conjunto dos mitos, que são narrações de uma
história ou espécie de palavras sagradas,
sancionada pela autoridade e pela tradição, em que se condensa a acção
primordial dos deuses. – O quê? – Mitologia é o conjunto dos mitos de uma
sociedade ou área cultural. – Enfim. – Aprenderás… - A minha setôra diz que há quatro partes n’Os
Lusíadas… - Talvez tenha dito que há quatro partes constitutivas: proposição,
invocação, dedicatória e narração. – Talvez. – O poeta
explica e define o que vai contar… - É a proposição. – O poeta pede ajuda
aos deuses para que o inspirem. – É a invocação. – O poeta dedica a
sua obra ao rei. – Ao monarca Sebastião, bem sei. É a dedicatória. – O poeta
conta o que se passou, relata a acção, conta uma grande história, por sinal. – É a
narração. Narra lá, se não te importas… - Bute.
Esta história mistura heróis e deuses, um Deus único cristão, outro
único muçulmano, deixa-nos assim a modos que às voltas com tanta crença e fé. Camões mostra-nos um herói sem força,
pelo menos sem a força que conhecemos em outros heróis, Vasco da Gama, que está
nas mãos dos deuses. O grande herói, porém, é um herói colectivo: o
povo português. Agora, Camões chama uma nova deusa, Calíope, perita em epopeias, para
que o ajude a progredir. Com a sua ajuda, descreve em pormenor a terra dos
lusitanos: Portugal, o
sítio onde a terra se acaba e o mar começa! Entretanto, Vénus tenta
convencer Júpiter, seu pai, a pôr-se ao lado desse povo de heróis. Júpiter vive
num bloco de apartamentos de luxo. Num belo condomínio privado que se chama
Olimpo.
- Filha, goza a tua mocidade! –
Ó pai, eu gosto deles! – Tens de escolher só um… - Ó pai, faz-me a vontade. –
Primeiro foi a mania das discotecas, agora são os portugueses. Um dia ainda te
apanho de umbigo à mostra e piercing
no nariz. – Ó pai, eu amo aquele povo!» In Alexandre Honrado, Eu curto… Eu gosto dos
Lusíadas, Negócio de Ócio, Lisboa, 2002, ISBN 972-98888-0-9.
Cortesia de Negócio de Ócio/JDACT