segunda-feira, 1 de abril de 2013

Eu curto… Eu gosto dos Lusíadas. Alexandre Honrado. «Entretanto, Vénus tenta convencer Júpiter, seu pai, a pôr-se ao lado desse povo de heróis. Júpiter vive num bloco de apartamentos de luxo. Num belo condomínio privado que se chama Olimpo»

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«Vasco da Gama, ajudado pelos deuses, contrariado pelos deuses, roga ao seu deus, Deus dos cristãos, que o leve à Índia ou, entretanto e para já, a sítio sossegado que possa dar-lhes forças para continuar. – Bute!
Sempre que se falava d’Os Lusíadas, em casa, nas ruas, fosse onde fosse, acorriam logo palavras e palavrinhas que se me afiguravam fantásticas, impenetráveis, misteriosas. Uma delas era a palavra épica, um substantivo feminino cujo oculto significado a minha avó se incumbiu de revelar: - Chama-se épica ao género poético que narra em estilo elevado feitos heroicos de personagens históricos ou lendários. – Pois, muito bem, esclarecido. E então lírico? – Então lírico é assim: um adjectivo masculino. Diz-se do género de poesia que exprime sentimentos delicados da alma do poeta.
 - Pois, muito bem entendido. E epopeia? – É um substantivo feminino. E é um poema extenso em que se contam acções heroicas e grandiosas. – Pois, muito bem, assimilado. E Mitologia? – É um substantivo feminino. É um conjunto dos mitos, que são narrações de uma história ou espécie de palavras sagradas, sancionada pela autoridade e pela tradição, em que se condensa a acção primordial dos deuses. – O quê? – Mitologia é o conjunto dos mitos de uma sociedade ou área cultural. – Enfim. – Aprenderás… - A minha setôra diz que há quatro partes n’Os Lusíadas… - Talvez tenha dito que há quatro partes constitutivas: proposição, invocação, dedicatória e narração. – Talvez. – O poeta explica e define o que vai contar… - É a proposição. – O poeta pede ajuda aos deuses para que o inspirem. – É a invocação. – O poeta dedica a sua obra ao rei. – Ao monarca Sebastião, bem sei. É a dedicatória. – O poeta conta o que se passou, relata a acção, conta uma grande história, por sinal. – É a narração. Narra lá, se não te importas… - Bute.
Esta história mistura heróis e deuses, um Deus único cristão, outro único muçulmano, deixa-nos assim a modos que às voltas com tanta crença e fé. Camões mostra-nos um herói sem força, pelo menos sem a força que conhecemos em outros heróis, Vasco da Gama, que está nas mãos dos deuses. O grande herói, porém, é um herói colectivo: o povo português. Agora, Camões chama uma nova deusa, Calíope, perita em epopeias, para que o ajude a progredir. Com a sua ajuda, descreve em pormenor a terra dos lusitanos: Portugal, o sítio onde a terra se acaba e o mar começa! Entretanto, Vénus tenta convencer Júpiter, seu pai, a pôr-se ao lado desse povo de heróis. Júpiter vive num bloco de apartamentos de luxo. Num belo condomínio privado que se chama Olimpo.
 - Filha, goza a tua mocidade! – Ó pai, eu gosto deles! – Tens de escolher só um… - Ó pai, faz-me a vontade. – Primeiro foi a mania das discotecas, agora são os portugueses. Um dia ainda te apanho de umbigo à mostra e piercing no nariz. – Ó pai, eu amo aquele povo!» In Alexandre Honrado, Eu curto… Eu gosto dos Lusíadas, Negócio de Ócio, Lisboa, 2002, ISBN 972-98888-0-9.

Cortesia de Negócio de Ócio/JDACT