Testemunho de Manuel Correia
«Aos vinte e cinco dias do mês de Maio de mil
quinhentos e setenta e um anos, em Lisboa, nos Estaus, na Casa do Despacho da
Santa Inquisição (maldita), estando aí os senhores Inquisidores, perante eles
pareceu, sendo chamado, o senhor Manuel Correia, fidalgo da Casa de El-Rei Nosso
Senhor, e lhe deram juramento dos Santos Evangelhos, em que pôs sua mão, e
prometeu dizer verdade. E, perguntado pelo referimento nele feito, disse que há
vinte dias, pouco mais ou menos, que praticando ele testemunha com Bastião de Macedo,
veador da Casa do Cardeal Infante Nosso Senhor, no termo de Alenquer, sobre as
coisas de Damião de Goes, o dito Bastião de Macedo lhe disse que indo um dia
dona Briolanja, sua irmã, a jantar a casa do dito Damião de Goes, em um dia de
sexta-feira, segundo sua lembrança, e estando jantando a dita Briolanja disse
que desejava carne de porco. E logo lhe foram buscar um pedaço de lombo de
porco, e lho assaram, e trouxeram à mesa; e lho cortaram e lhe deitaram sumo de
laranja. E ela começou de comer dele. E que o dito Damião de Goes começou
também a comer do dito lombo. E dizendo-lhe a dita dona Briolanja: - Também vós
desejais? E o dito Damião de Goes lhe respondeu e disse: - Sobrinha, o que
entra pela boca não faz nojo.
E não lhe disse mais o dito Bastião de Macedo.
Somente eles dois ficaram mordendo este negócio, dizendo agora, depois de o ver
preso, que lhe não parecera bem aquela linguagem. E não é lembrado dizer a mais
pessoas que a um seu irmão e a Henrique de Castro; e bem pode ser que o
dissesse a outras pessoas. E não é lembrado se lhe disse o dito Bastião de
Macedo que se achara presente a estas práticas, nem quem estava presente. E al
não disse. E do costume: que o conhece e não lhe quer mal. E lhe foi mandado
por segredo no caso; e ele o prometeu. E assinou com eles Senhores, e eu João Velho, notário apostólico, o escrevi.
- Manuel Correia de Martins Baarem - Jorge Gonçalves Ribeiro - Simão de Sá Pereira.
Em Alenquer
Os Inquisidores apostólicos contra a herética pravidade e apostasia em
este arcebispado de Lisboa e sua comarca, etc. Pelo teor da presente, cometemos
nossas vezes ao muito reverendo senhor Domingos Simões, capelão do Cardeal
Infante Nosso Senhor e secretário do Conselho Geral da Santa Inquisição
(maldito), para que vá à vila e termo de Alenquer, como inquiridor, com Pedro
Álvares de Soto Maior, notário deste Santo Ofício (maldito), pergunte as testemunhas
que leva em rol sobre a causa processo de Damião de Goes, preso no cárcere
deste Santo Ofício (maldito), as quais perguntará, com todas as mais que forem
inquiridas, pelo conteúdo nos autos e processo da dita causa e pela mais
informação que leva do caso. E serão presentes duas pessoas religiosas para logo
serem ratificadas conforme ao estilo deste Santo Ofício (maldito). E para todo
o sobredito lhe damos nosso inteiro poder e cometemos nossas vezes e autoridade
apostólica. Dada em Lisboa, sob nossos sinais e selo do dito Santo Ofício
(maldito), ao primeiro de Junho - João Velho,
notário do Santo Ofício (maldito) a fez de 1571. - Simão de Sá Pereira – Jorge Gonçalves
Ribeiro.
Testemunho de Dona Briolanja
Aos vinte e nove dias do mês de Junho de mil quinhentos setenta e um
anos, na vila de Alenquer na igreja de Nossa Senhora da Conceição, mosteiro das
freiras da dita vila, estando aí Domingos Simões, conteúdo em a comissão atrás
dos senhores Inquisidores, logo aí pareceu dona Briolanja, mulher de António
Gomes de Carvalho, testemunha referida, que para isso teve recado, e por
virtude da dita comissão lhe deu juramento dos Santos Evangelhos, em que pôs
sua mão, prometendo de dizer verdade.
E lhe fez pergunta, se era lembrada ver, ou ouvir dizer, ou fazer, a alguma
pessoa alguma coisa que lhe parecesse contra nossa santa fé católica e contra o
que tem e ensina a Santa Madre Igreja, ou de que se escandalizasse». In
Raul Rêgo, O Processo de Damião de Goes na Inquisição, Assírio & Alvim,
2007, ISBN978-972-37-0769-4, Peninsulares/57.
continua
Cortesia de Assírio & Alvim/JDACT