segunda-feira, 1 de abril de 2013

História das Nossas Avós. Retrato da Burguesa em Lisboa (1890-1930). Cecília Barreira. «Mas em 1911 na rubrica Estrelas de Paris a “Ilustração Portuguesa” referia Colette Wiily, a tão polémica Colette, entregue ao ‘music-hall’. “Vagabonde”, o primeiro livro a ser traduzido desta autora em português…»

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«E este posicionamento francamente liberal denuncia uma visão mais progressiva do que aquela que os romances, também de origem francesa e de maior divulgação entre as senhoras, suporiam. Mas em 1911 na rubrica Estrelas de Paris a Ilustração Portuguesa
referia Colette Wiily, a tão polémica Colette, entregue ao music-hall. Vagabonde, o primeiro livro a ser traduzido desta autora em português, só nos anos 40, fazia furor na capital parisiense. Nessa época Colette tinha-se divorciado de Willy e era enquanto divorciada uma mulher livre e independente que se apresentava ao público. Mais uma vez a Ilustração Portuguesa se faz eco de uma posição extremamente avançada quando refere:
  • Essa preocupação que tem sempre o psicólogo macho de fazer de criatura do outro sexo um ente à sua imagem, modificando-a apenas para mais submissa, mais humilde, mais amorável ou mais escrava, não poderia existir de resto nos livros da autora de Vagabonde. Era apresenta-nos a mulher tal como ela é e tal como poucos de nós sabemos vê-la.
Mas vai-se mais longe, nesta análise que data de 1911. O elogio de Claudine, ou de Retraite Sentimentale pondera no ponto mais polémico de toda a discussão sobre a mulher no princípio do século: Há ou não o direito à sensualidade, ao instinto, ao eros em suma? O articulista diz claramente que sim. Chamava-se Paulo Osório e assinava o artigo em Setembro de 1911. A Ilustração Portuguesa era sem dúvida a grande revista de divulgação de fait divers que atravessou os primeiros decénios do século XX. Até que ponto estes artigos avançados em relação aos modos e costumes nacionais não alteravam, paulatinamente, as condutas? Tal como dizia Colette:
  • Je danserai encore sur ra scène, je danserai nue ou habillée, pour le seul plaisir de danser, d'accorder mes gestes au rythme de ra musique.
A citação é significativamente da Ilustração Portuguesa. Mas a revista mantém um diálogo extremamente profícuo com as correntes de moda da época, no que aliás é acompanhada pela maior parte dos periódicos que se dedicam à mulher. A moda é francesa, como de resto os costumes, o modo de falar, o modo de cozinhar, as expressões. Tudo se importava de França. o chic envolvia toda uma ambiência. Vestia-se, na alta sociedade vestidos de Redfern e Bechoft David. Paris já assinou o seu último decreto sobre a moda. Diane de Pougy, a célebre mundana artista, arvorou-a como um estandarte. Dizia-se em 1910.

De França também advinham modas bem arrojadas como a da prática de hipismo. Eram as amazonas que se passeavam ao domingo por Lisboa no Campo Grande ou na Tapada. A notícia é de 1913. As meninas que assim ousavam praticar um desporto considerado masculino por excelência pertenciam às melhores famílias portuguesas. Mas em 1914 falava-se na prática de esgrima, desta feita no Porto. Não seria de espantar que Lisboa, à imitação do Porto, também contasse com classes de esgrima. Faziam-se excursões a Paris. Em 1906, por exemplo, referia-se a visita à grande capital da França, essa monumental Paris, vocação de todo o mundo. Na moda, quantas vezes as legendas nem sequer são traduzidas dos figurinos originais para não perderem a magia da língua. Era o grande sonho, o esplendor do quotidiano em Paris». In Cecília Barreira, História das Nossas Avós, Retrato da Burguesa em Lisboa (1890-1930), Edições Colibri, Colecção Sociedade & Quotidiano, 1994, ISBN 972-8047-63-0.

Cortesia de E. Colibri/JDACT