quarta-feira, 20 de maio de 2020

As Cruzadas vistas pelos Árabes Amin Maalouf. «Sem ver-se desencorajado, o pai da futura sultana retomara com determinação a construção dos seus navios de guerra»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Invasão, 1096-1100
Os franj estão chegando
«(…) O emir Tchaka tinha para isso um plano muito coerente. Assim, fora-se instalar num porto perto de Esmirna, sobre o mar Egeu, onde, com a ajuda de um armador grego, constituíra uma verdadeira frota de guerra compreendendo bergantins leves, naus a remo, dromons, birremes ou trirremes, ao todo cerca de uma centena de embarcações. Numa primeira etapa, ele ocupara diversas ilhas, principalmente Rodes, Quios e Samos, e estendera a sua autoridade sobre o conjunto da costa do Egeu. Assim formando um império marítimo, proclamara-se basileu, organizando o seu palácio de Esmirna segundo o modelo da corte imperial, e lançara a sua frota sobre Constantinopla. Enormes esforços foram necessários de Alexis para conseguir rechaçar o ataque e destruir parte das naus turcas.

Sem ver-se desencorajado, o pai da futura sultana retomara com determinação a construção dos seus navios de guerra. Era perto do final do ano de 1092, momento em que Kilij Arslan voltava do exilio, e Tchaka pensara que o jovem filho de Suleiman seria um excelente aliado contra os rum. Propusera-lhe então a mão da sua filha. Mas os cálculos do jovem sultão eram bem diferentes dos de seu sogro. A conquista de Constantinopla parecia-lhe um plano absurdo. Em contrapartida, nenhum dos que o cercavam ignorava que ele buscava a eliminação dos emires turcos que tentavam constituir um domínio na Ásia Menor, isto é, em primeiro lugar Danishmend e o demasiadamente ambicioso Tchaka. Portanto o sultão não hesitara, convidara seu sogro para um banquete e, tendo-o embebedado, apunhalara-o com as suas próprias mãos. Tchaka tinha um filho que assumiu a sucessão, mas que não possuía nem a inteligência nem a ambição de seu pai. O irmão da sultana contentou-se em gerir seu emirado marinho até aquele dia do ano 1097, em que a frota dos rum chegou inopinadamente ao largo de Esmirna, trazendo a bordo um mensageiro inesperado: a sua própria irmã.
Esta demorou para compreender as razões da solicitude do imperador para com ela, mas enquanto e comboiada para a cidade onde passou a sua infância, Esmirna, tudo fica claro. Ela é encarregada de explicar ao seu irmão que Alexis tomou Niceia, que Kilij Arslan foi vencido, e que um poderoso exército de rum e franj vai em breve atacar Esmirna com a ajuda de uma imensa frota. Para salvar sua vida, o filho de Tchaka e convidado a conduzir sua irmã para perto do seu esposo, em algum lugar na Anatólia.
Não tendo sido recusada a proposta, o emirado de Esmirna deixa de existir. No dia seguinte à queda de Niceia, toda a costa do mar Egeu, todas as ilhas, e a parte ocidental da Ásia Menor escapam, portanto, das mãos dos turcos. E os rum, ajudados pelos seus auxiliares francos, parecem decididos a ir mais longe.
Mas, no seu refúgio nas montanhas, Kilij Arslan não depôs as armas. Passada a surpresa dos primeiros dias, o sultão prepara activamente sua resposta. Ele pôs-se a recrutar tropas, aliciar voluntarios e proclamar o j i had, anota Ibn al-Qalanissi. O cronista de Damasco acrescenta que Kilij Arslan pediu a todos os turcos que o ajudassem, e numerosos deles responderam ao seu chamamento. De fcato, o primeiro objectivo do sultão e selar uma aliança com Danishmend. Uma simples trégua não basta mais. É imperativo agora que as forcas turcas da Ásia Menor estejam unidas, como se fossem um só exército». In Amin Maalouf, As Cruzadas vistas pelos Árabes, 1983, Colecção História Narrativa, nº 38, Edições 70, Ensaio, 2016, ISBN 978-972-441-756-1.

Cortesia de Edições 70/JDACT