segunda-feira, 25 de maio de 2020

O Santuário Perdido. Raymond Khoury. «O senhor tem uma família, disse, com voz vazia e distante. Uma esposa. Filhos. O rei é seu amigo. O que mais um homem pode desejar?»

Cortesia de wikipedia e jdact

Nápoles. Novembro de 1749
«(…) Desse modo, ele voltou ao nome que tinha usado em Veneza alguns anos antes, marquês de Montferrat. Fora bastante fácil perder-se dentro daquela cidade cosmopolita, entre seus inúmeros turistas. Muitas cidades tinham fundado academias para abrigar o fluxo contínuo de viajantes que vinham escavar as cidades romanas recentemente descobertas. Em pouco tempo, estava se reunindo com intelectuais locais ou oriundos de toda a Europa, homens que partilhavam sua mente inquisitiva. Homens como Raimondo di Sangro. Sem dúvida, uma mente inquisitiva. Todas essas mentiras..., continuou Di Sangro, verificando sua pistola, observando Montferrat com uma faísca de cobiça mal disfarçada no olhar. E, no entanto, de maneira intrigante e bastante estranha, essa querida velha dama, a condessa di Czergy, afirma que o conhecia pelo mesmo nome quando estava em Veneza, Montferrat... Há quantos anos mesmo? Trinta? Mais? O nome atravessou o falso marquês como uma lâmina. Ele sabe. Não, não pode saber. Mas desconfia.
Claro que a cabeça da pobre senhora não é mais o que costumava ser. Os desgastes do tempo alcançarão a nós todos, no final, não é mesmo?, insistiu Di Sangro. Mas, no que diz respeito ao senhor, ela foi tão insistente, tão clara, tão resoluta e inflexível ao dizer que não estava enganada..., que era difícil atribuir suas palavras aos desvarios desiludidos de uma pessoa idosa. Daí, descobri que o senhor falava árabe como um nativo. Que conhecia Constantinopla como a palma da sua mão e que viajara por todo o Oriente, disfarçando-se, impecavelmente, foi o que me disseram, de xeque árabe. Mistérios demais para um só homem, marquese. Isso desafia a lógica. Ou a crença.
Montferrat estremeceu, censurando-se por ter considerado aquele homem um espírito irmão, um aliado potencial. Por testá-lo, sondá-lo, ainda que disfarçadamente. Sim, tinha julgado muito mal aquele homem. Mas, pensou, talvez fosse o destino. Talvez fosse mesmo a hora de desvendar seus segredos, hora de deixar que o mundo os conhecesse. Talvez aquele homem pudesse encontrar um jeito nobre, magnânimo, de lidar com tudo aquilo. Os olhos de Di Sangro se fixaram nele, estudando cada expressão de seu rosto. Ora, vamos. Tive que sair da cama a esta hora apenas para ouvir a sua história, marquese, disse, altivamente. E, para ser franco, não dou a mínima para quem o senhor é ou de onde vem. Só quero saber o seu segredo. Montferrat encarou o seu inquisidor directamente.
O senhor não quer saber isso, príncipe. Confie em mim. Isso não é uma dádiva para homem nenhum. É uma maldição pura e simples. Uma maldição sem trégua. Di Sangro não pareceu se comover. Porque não deixa que eu mesmo julgue isso? Montferrat se inclinou. O senhor tem uma família, disse, com voz vazia e distante. Uma esposa. Filhos. O rei é seu amigo. O que mais um homem pode desejar? A resposta veio rapidamente. Mais. Do mesmo. Montferrat sacudiu a cabeça. O senhor devia deixar as coisas como estão. Di Sangro aproximou-se do prisioneiro. Os seus olhos brilhavam com fervor messiânico. Ouça-me bem, marquese. Esta cidade, este desprezível menino-rei..., isso não é nada. Se o que suspeito que o senhor sabe for verdade, podemos ser imperadores. Não entende isso? As pessoas venderiam as suas almas por isso. O falso marquês não duvidou disso nem por um segundo. É justamente o que me dá medo.
A respiração de Di Sangro tornou-se pesada de frustração, enquanto ele tentava avaliar a determinação daquele homem. Baixou os olhos quando pensou distinguir algo no peito de Montferrat que chamou sua atenção. Inclinou-se ameaçadoramente para mais perto e estendeu-se sobre a mesa, puxando um medalhão que pendia de uma corrente no peito do falso marquês. A mão de Montferrat se ergueu e agarrou o pulso de Di Sangro, imobilizando-o, mas o príncipe rapidamente engatilhou a sua pistola. Lentamente, Montferrat soltou o braço de Di Sangro. O príncipe segurou o medalhão entre os dedos por alguns momentos e, de repente, arrancou-o do pescoço de Montferrat, arrebentando a corrente. Aproximou o medalhão dos olhos, examinando-o de perto. Era uma peça simples, redonda, fundida em bronze, como uma grande moeda, com um pouco mais de dois dedos de diâmetro. A face ostentava um único desenho, uma cobra enrolada como um anel, cuja cabeça ficava em cima do círculo formado por seu próprio corpo. A serpente devorava o próprio rabo». In Raymond Khoury, O Santuário Perdido, 2015, Editorial Presença, Grandes Narrativas, 2015, ISBN 978-972-234-248-3.

Cortesia de EPresença/JDACT