quarta-feira, 13 de maio de 2020

Os Manuscritos de Jesus. Michael Baigent. «Como tirara muitas fotos e ninguém as tinha contado, calculei que fosse capaz de esconder, no mínimo, um dos rolos de filme, de modo a produzir ao menos algum tipo de prova da existência dessa colecção»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Eles estavam abarrotados de folhas de papelão que se encaixavam na medida exacta. Em cada uma delas, notei horrorizado, havia centenas de pedaços de textos em papiro presos de qualquer maneira ao papelão por pequenas tiras de fita adesiva transparente. Os textos eram escritos em aramaico ou hebraico e junto a eles havia envoltórios de múmias egípcias contendo inscrições em demótico, a forma escrita dos hieróglifos egípcios. Eu sabia que era comum esses envoltórios trazerem textos sagrados, e concluí que os donos desse carregamento deviam ter desenrolado, no mínimo, uma ou duas múmias. Os textos em aramaico ou hebraico se assemelhavam, à primeira vista, aos manuscritos do mar Morto que eu já vira antes, embora fossem, na sua maioria, escritos em pergaminho. A colecção era um tesouro de documentos antigos. Fiquei extremamente intrigado e cada vez mais ansioso para dar conta da sua existência a alguns especialistas e, talvez, lhes garantir acesso a ela.
Quando as folhas de papelão foram retiradas dos baús, informaram-me que os proprietários pretendiam vender os documentos a um governo europeu não revelado. O preço era de três milhões de libras esterlinas. Os presentes queriam que eu tirasse uma série representativa de fotos para serem mostradas ao pretenso comprador, de modo que o processo de venda desse mais um passo em direcção a um final feliz. Então percebi que governo era provavelmente o interessado. Mas guardei os meus pensamentos. Ao longo da hora seguinte, conforme os baús eram esvaziados, indicavam-me algumas páginas e, em pé numa cadeira, com a escassa luz filtrada pelos vidros foscos das janelas, tirei fotos em preto-e-branco. No total, gastei seis rolos de filme de 35mm, mais de duzentas fotografias. No entanto, cada vez mais aumentava o meu temor de que esses documentos simplesmente desaparecessem no limbo de onde haviam emergido. Que fossem comprados por alguém que se sentasse em cima deles durante muitos anos, como acontecera com os textos Nag Hammadi e os manuscritos do mar Morto. Pior que isso: eu temia que, sem um comprador, eles simplesmente sumissem de novo nas entranhas mais sombrias e profundas do banco, juntando-se a outros documentos valiosos sabidamente trancados em cofres e baús no mundo.
Como tirara muitas fotos e ninguém as tinha contado, calculei que fosse capaz de esconder, no mínimo, um dos rolos de filme, de modo a produzir ao menos algum tipo de prova da existência dessa colecção. Consegui colocar um deles dentro do meu bolso. Quando a sessão de fotos se encerrou e as folhas de papelão foram recolocadas nos baús, entreguei um punhado de filmes usados a um dos proprietários. Ele os olhou na minha mão. Onde está o outro filme?, perguntou na mesma hora. Ele tinha contado. Outro filme?, falei reticente, tentando passar a impressão de inocência distraída, enquanto apalpava ostensivamente os bolsos. Ah, tem razão. Está aqui. Mostrei o filme que acalentara a esperança de guardar para mim. Fiquei irritado e bastante deprimido. Queria realmente ter algum tipo de prova do que vira. Àquela altura, meu amigo percebeu o que eu pretendia e, numa manobra inspirada, veio em meu socorro. Onde o senhor vai revelar estes filmes?, indagou inocentemente. Numa loja de fotos, respondeu o homem segurando os rolos. Não é muito seguro, replicou o meu amigo. Olhe, o Michael foi fotógrafo profissional. Ele pode fazer a revelação de tantas fotos quantas forem necessárias. Assim não haverá riscos.
Boa ideia, concordou o homem, e me devolveu os filmes. Evidentemente, copiei um conjunto completo de fotos para mim. Depois, combinei de encontrar o jordano, que, aparentemente, era o responsável, para almoçar, ocasião em que lhe entregaria as fotos e os negativos. Durante o almoço, perguntei se seria possível mostrar os textos a alguns especialistas para serem examinados e identificados. Talvez isso ajudasse a aumentar o valor da colecção. Pedi permissão ao jordano para consultar alguns peritos, muito discretamente, é claro. Depois de pensar um pouco, ele concordou que era uma boa ideia, mas deixou bem evidente que nem eu nem os peritos poderíamos falar da colecção com ninguém mais. Vários dias depois, levei todas as fotos ao Departamento Asiático-Ocidental do Museu Britânico. Eu já lidara com o departamento antes, ao longo das pesquisas para um dos meus livros, From the Omens of Babylon, e confiava no seus especialistas não apenas para obter uma opinião honesta, como também em relação à confidencialidade do assunto. O perito com quem eu lidara anteriormente não estava, e um dos seus colegas veio até à ante-sala falar comigo. Contei-lhe resumidamente a história dos baús de documentos e falei das minhas fotos. Ressaltei que se tratava de uma empreitada comercial para os proprietários e que eu ficaria muito grato pela sua discrição, já que grandes somas de dinheiro costumam causar problemas igualmente grandes. Pedi que ele encontrasse alguém competente no assunto para dar uma olhadela nas fotos e ver se eram importantes. Caso fossem, eu faria o possível para facilitar o acesso do especialista interessado à colecção inteira. Entreguei-lhe, então, as fotografias». In Michael Baigent, Os Manuscritos de Jesus, Editora Nova Fronteira, 2006, ISBN 978-852-091-898-2.

Cortesia de ENFronteira/JDACT