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de wikipedia e jdact
Uma
maneira de morrer
«(…) Numa
vida de viagens, quando Pacelli retornava a Roma, sempre fazia questão de se
encontrar com os seus amigos judeus. Cada vez mais eles o questionavam sobre o
tratamento dado aos judeus, e ele lhes dizia o que havia visto e ouvido lhe doía,
prometendo que lutaria contra o antissemitismo com todas as forças que possuía.
A sua autoridade havia atingido o cume quando Pacelli fora nomeado secretário de
Estado em 1930. Ele convidara Mendes e os seus outros amigos judeus para participar
da cerimónia e depois os apresentara a Pio XI. Naquela que se tornaria a última
conversa antes de o papa falecer, Pacelli lhe havia dito que agora a família
Mendes estava em segurança na Palestina. Até um ano atrás, Guido era professor
da escola de medicina da Universidade de Roma, mas as leis raciais antissemitas
de Mussolini levaram a sua demissão. Pacelli imediatamente pedira ao ministro
britânico da Santa Sé, sir D’Arcy
Osborne, que providenciasse para a família uma permissão de entrada na
Palestina, naquela época sob mandato britânico. A presteza de Osborne em ajudar
gerou uma amizade duradoura com Pacelli.
Depois daquilo,
Pacelli também fizera arranjos para que vários outros judeus eminentes, académicos,
médicos e cientistas imigrassem para os Estados Unidos, América do Sul e outros
países. Fizera arranjos para os que não poderiam sair de Roma por motivos
familiares, uma esposa gravemente doente ou um filho ou filha em algum ponto
crucial da educação, fazendo que assumissem cargos dentro do Vaticano. Entre
eles estava um dos melhores cartógrafos do mundo, Roberto Almagia, que produziu
uma monografia sobre a Terra Santa. Desde as leis racistas, Pacelli havia
encontrado cargos para vinte e três académicos judeus na Pontifícia
Universidade Gregoriana, na Academia de Ciências e na Biblioteca do Vaticano.
No seu leito de morte, o papa Pio XI havia falado da necessidade de Pacelli continuar
a sua campanha contra o antissemitismo. Um dos médicos de plantão se lembraria
de que Pacelli estava próximo às lágrimas quando o papa dissera que ele teria
de continuar a ser um defensor do povo judeu.
As freiras haviam
completado o seu trabalho e murmurando as palavras tradicionais: ó, Senhor,
trago a ti meu louvor… Em baixo, na praça, havia o som do trânsito e da polícia
montando barreiras para controlar a multidão crescente que se reunia para
guardar luto pelo falecimento do papa. Pacelli avaliava o momento de se
aproximar da beira da cama. As emoções causadas pela morte já invadiam os ares
do quarto. A face das duas freiras estava tomada de luto, suas vozes eram
emotivas durante as orações. Além da janela, os primeiros raios de sol do dia
passaram acima do límpido Tibre para tocar a cruz do topo da basílica de São
Pedro. O volume das orações que chegavam da praça aumentava. Pacelli adentrou o
quarto, parando apenas para as freiras saírem. Ficou ao lado da cama e fez a sua
própria oração.
Assim que a alvorada começou a iluminar os céus do lado de fora
da janela do quarto, Pacelli soube que, antes de poder iniciar os preparativos
para o funeral e solucionar milhares de questões até que o novo papa pudesse
ser eleito no conclave, deveria desempenhar a sua primeira obrigação na condição
de camerlengo. Removeu o Anel do Pescador do dedo anular direito do papa.
Mais tarde ele usaria uma tesoura grande de prata para quebrar o anel em frente
ao Colégio de Cardeais reunido antes de entrarem no conclave. Assim que um novo
papa fosse eleito, receberia o seu novo anel, mais um símbolo de sua
autoridade. Pacelli se prostrou sobre o corpo e beijou-lhe a testa e as mãos
antes de sair do quarto, fechando a porta atrás de si». In Gordon Thomas, Os
Judeus do Papa, Casa das Letras, 2012, ISBN 978-972-462-137-1.
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